quinta-feira, 22 de março de 2012

Netanyahu: propaganda anti-Israel foi a causa do ataque de Toulouse

 
O francês de origem argelina, Mohamed Merah, de 24 anos, acusado de matar quatro pessoas em uma escola judaica em Toulouse, afirmou que deve se entregar ainda hoje (dia 21 de março) à Polícia francesa. Ele estava sendo investigado há vários anos pelos serviços secretos do país e, de acordo com o presidente Nicolas Sarkozy, pretendia executar novo ataque hoje. As autoridades acreditam que o criminoso tenha ligação com a rede Al Qaeda e com os fundamentalistas “salafistas”. O jovem não demonstra nenhum arrependimento, a não ser por não ter feito mais vítimas, e se vangloria de ter "colocado a França de joelhos". Ele justificou o atentado alegando que queria "vingar crianças palestinas".
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou que a "propaganda contra Israel e os judeus" é a causa de ataques como o realizado em Toulouse. "Acho que devemos lutar contra essa enorme propaganda contra Israel e os judeus em qualquer lugar, propaganda contra inocentes, que leva a realização de atos bárbaros". Ele também criticou a alta representante europeia de Política Externa, Catherine Ashton, por ter comparado o atentado de Toulouse com a situação em Gaza: "A tragédia e a crueldade desse caso são notórias, trata-se da execução de uma menina de oito anos. A selvageria e a falta de humanidade do assassino são difíceis de compreender. O que mais me indignou foi a comparação entre um massacre contra crianças e uma atividade defensiva cirúrgica do Exército para acabar com terroristas que usam menores como escudo", explicou, acrescentando: "se fizermos esta distinção moral, teremos derrotado o terrorismo, mas se permitimos uma analogia tão mentirosa, então eles terão ganho". Já Catherine Ashton assegurou que as palavras dela sobre o ataque à escola judaica foram "muito distorcidas". Esclareceu que se referiu "a tragédias que custaram a vida de crianças" e ainda garantiu que não fez nenhuma comparação entre as circunstâncias desse ataque e a situação em Gaza. "Estou muito triste pela distorção de minhas palavras. Condeno sem reservas os terríveis assassinatos na escola Ozar Hatorah em Toulouse e transfiro meus sentimentos às famílias e amigos das vítimas, ao povo da França e à comunidade judaica".
O primeiro-ministro palestino, Salam Fayyad, afirmou que é preciso parar de usar a causa palestina como justificativa para atos de terrorismo. "É o momento destes criminosos deixarem de reivindicar seus atos terroristas em nome da Palestina e que parem de pretender defender a causa de suas crianças, que apenas desejam uma vida decente, para eles mesmos e para todas as crianças do mundo. Nosso povo palestino e seus filhos, que não podem aceitar crimes contra vidas inocentes, condenam categoricamente estes crimes terroristas".
As vítimas foram enterradas no cemitério Har Hamenuhut, em Jerusalém, em cerimônia marcada pela emoção e pela dor. "Todo Israel está de luto e chora a morte de crianças inocentes e de um pai dedicado", lamentou o vice-chanceler israelense, Danny Ayalon, ao receber o ministro das Relações Exteriores da França, Alain Juppé, que viajou especialmente de Paris para a cerimônia. O representante francês afirmou: "É o sangue de nossos dois países que foi derramado na escola Ozar Hatorah". E garantiu: "Estamos comprometidos com o mesmo vigor com a luta contra o terrorismo, este flagelo que atinge muitas regiões do mundo, infelizmente inclusive a França". As três crianças assassinadas tinham dupla nacionalidade: francesa e israelense.

FONTE:

quarta-feira, 21 de março de 2012

Ataque em Toulouse

 

Por Joshua Runyan


19 de março, 10h50

A unida comunidade judaica de Toulouse entrou em pânico na manhã dessa segunda-feira, a paz da cidade no sudoeste da França abalada por tiros fatais. Enquanto a polícia contava as balas, as autoridades anunciavam os nomes dos mortos, que tiveram a vida roubada a poucos passos da Escola Ozar Hatorah, quando um homem dirigindo uma motocicleta abriu fogo.

O assassino desconhecido – a quem relatos estão afirmando que pode ter ajudado num ataque semelhante ocorrido recentemente contra soldados franceses na área – levou as vidas de Jonathan Sandler, um professor de estudos judaicos de 30 anos, seus filhos de três e de seis anos de idade, e a filha de um outro membro do corpo docente. As crianças estavam esperando um ônibus para levá-las até a escola primária Chabad-Lubavitch Gan Rashi.

“Toda a comunidade está ansiosa e com medo”, relatou Rabi Haim Hilel Matusof da Jeunesse Lubavitch-Beth Habad Toulouse, um centro Chabad na cidade. “Aquela escola fica numa pequena rua de uma área calma. É um local muito seguro. Ele tinha de saber que era uma escola judaica.”

Um garoto de 15 anos, cujo nome hebraico é Aharon ben Leah, foi ferido no ataque. Matusof pediu para que pessoas no mundo inteiro rezem pela sua recuperação.

“As escolas, é claro, ficarão fechadas pelo resto do dia”, disse o rabino, acrescentando que psicólogos e conselheiros já estavam ajudando os alunos e suas famílias a lidarem com a crise. “As pessoas irão à sinagoga esta noite, procurando entender essa horrível tragédia.”

Um amigo de Sandler, que se identificou para os repórteres como Baruch, disse ter falado com ele pouco antes do ataque.

“Eu o vi, cumprimentei, e fui na direção da escola. Segundos depois, ouvi os tiros. Não me virei para olhar, e comecei a correr na direção da sinagoga que fica a cerca de 10 a 15 metros do portão de entrada,” detalhou ele. “Todos começaram a gritar… e fugiram. A certa altura o atirador entrou na escola e começou a atirar lá dentro. Nós nos escondemos sob a sinagoga num abrigo, até que a polícia chegou e nos escoltou para fora.”

A cena fora da escola poderia ser descrita como caótica, com grupos de pais e alunos amontoados, alguns em choque, outros chorando. Meninos maiores colocaram suas caixas de oração conhecidas como tefilin, carregando seus xales apressadamente pela rua.

O Presidente francês Nicolas Sarkozy e seus oponentes nas eleições desse ano cancelaram efetivamente a campanha, e Sarkozy ordenou mais segurança nas escolas judaicas em todo o país. Ele visitou Toulouse com funcionários da comunidade judaica.

Chamando o fato de um ataque a toda a comunidade da França, Sarkozy disse àqueles reunidos numa conferência de imprensa organizada às pressas na escola que os investigadores deveriam levar os responsáveis à justiça. “Nós os encontraremos,” prometeu ele.

O CRIF, Conselho Representante das Instituições Judaicas Francesas, condenou o ataque e expressou revolta por atingir crianças, relatou Haaretz.

“Não temos dúvidas de que o ataque foi antissemita. Isso com certeza,” disse Meir Habib, membro da diretoria da CRIF. “Matar crianças só porque são judias é um terror inimaginável. São crianças inocentes.”

O ataque tem semelhanças com um ataque feito em 10 de março a um fuzileiro em Toulouse, no qual um atirador numa motocicleta abriu fogo. Na semana passada, um atirador numa motocicleta matou dois outros fuzileiros em Montauban, a cerca de 50 quilômetros de distância. Especialistas forenses disseram que provavelmente a mesma arma foi usada nos ataques anteriores.

Em Jerusalém, funcionários israelenses condenaram unanimemente o ataque, expressando confiança de que as autoridades francesas fariam uma investigação rigorosa.

“Não importa se foi um ataque terrorista ou um crime de ódio,” disse o Ministro da Defesa Ehud Barak, “a perda de vidas é inaceitável.”





FONTE:

terça-feira, 20 de março de 2012

Do blog do jornalista Reinaldo Azevedo: “Uma aula de civilização e tolerância com o judeu ortodoxo que defendeu a presença de crucifixos nas escolas Italianas; a causa perdia por 17 a zero; ele virou o tribunal para 15 a 2.

 

Querem uma aula de tolerância e civilidade? Então leiam a entrevista que o advogado Josph Weiler, que defendeu o direito das escolas italianas de exibir o crucifixo, concedeu em setembro do ano passado ao jornal português “Público”. Ele é judeu ortodoxo. A entrevista é longa, mas se trata de um dos mais brilhantes exercícios de tolerância que já li. Uma pena o doutor Wadih Damous, presidente da OAB-RJ, não ter sido contratado para o outro lado. Imaginem alguém que defendesse que até o patrimônio cultural fosse “limpado” da herança cristã. Antes da íntegra da entrevista, destaco alguns trechos em azul para despertar a curiosidade.
Sobre as leis francesas, que proíbem a exposição de qualquer símbolo religiosa:“Sim… As crianças podem ir para a escola e usar uma t-shirt com uma fotografia de Che Guevara, podem ter escrito Love and Peace, podem ter um insulto a George Bush, qualquer posição política ou ecológica, podem levar o triângulo cor-de-rosa pelos direitos dos gays. A única coisa que não podem levar é a cruz, a estrela de David e o crescente.”
Sobre liberdade religiosa“Não podemos permitir que a liberdade de [ter ou não] religião ponha em causa a liberdade religiosa. Temos que descobrir a via média. E essa é dizer não, se alguém quiser forçar outro a beijar ou a genuflectir perante a cruz. Mas, se houver uma cruz na parede, direi aos meus filhos que vivemos num país cristão. Somos acolhidos, não somos discriminados. A Dinamarca tem uma cruz na bandeira, a Inglaterra e a Grécia igual. Vamos pedir que, por causa da liberdade religiosa, tirem a cruz das bandeiras? Absurdo!…”
Sobre a cristofobia
As pessoas falam de liberdade religiosa, mas, de facto, muitas vezes é cristofobia. Não é neutralidade, é antes porque não gostam do cristianismo e da Igreja. Sei por quê: a Igreja tem uma história complicada…”
A cruz e a tolerânciaNa Grã-Bretanha, o chefe de Estado é o chefe da Igreja, há uma Igreja de Estado, o hino nacional é uma oração. Quem diria que o país não é tolerante? É o país de eleição para muitos muçulmanos emigrantes. O facto de haver uma identidade religiosa e uma prática de não-discriminação é um sinal de uma sociedade pluralista e tolerante.
De certa maneira, a Grã-Bretanha com a cruz é mais pluralista e tolerante do que a França, sem a cruz. Porque na Grã-Bretanha, apesar de afirmar a identidade religiosa do Estado, é não discriminatória em todos os aspectos da vida. Financia escolas anglicanas, mas também católicas, judias, muçulmanas e seculares. Os países laicos financiam escolas seculares, mas não escolas religiosas. Quem é mais tolerante e pluralista?

*

Leiam a íntegra da entrevista.
Judeu convicto, especialista em Direito Constitucional, Joseph Weiler defendeu perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos o direito de a Itália ter crucifixos nas paredes das escolas e o direito da França de não os ter. E diz que esse pluralismo europeu é que é bom. Ganhou por 15-2.
Tinha acabado cinco horas de aulas, pediu apenas um prato de batatas fritas, que foi petiscando enquanto conversava. Joseph Weiler, nascido em 1951, é um judeu convicto. O que não o impediu de defender a possibilidade de haver (ou não) crucifixos nas paredes das escolas. Virou a opinião do tribunal, dos anteriores 17 a favor de retirar os símbolos religiosos da parede, para uns claríssimos 15 contra. Apenas dois juízes mantiveram a decisão anterior. E adverte: nem a Itália nem a França são neutros em matéria religiosa. Mas ambos devem educar para o pluralismo.
Especialista em Direito Constitucional europeu, Weiler é professor da Católica Global School of Law, da Universidade Católica Portuguesa, e, por isso, vem a Portugal várias vezes por ano.
Tem publicado Uma Europa Cristã (ed. Princípia). E publicará, até final do ano, um livro sobre o processo que condenou Jesus à morte. Nele defende que “o sentido de justiça, na civilização ocidental, provém do julgamento de Jesus”, explica ao Segundo Caderno de Público. O Papa disse, no seu último livro, que os judeus não foram responsáveis pela morte de Jesus. Weiler, judeu, irá dizer o contrário. E explicar por quê.
Público - [O sr.]Defendeu o crucifixo nas salas de aula italianas…
Jospeh Weiler -
 Tive uma vitória famosa, 15-2…
Defendeu essa posição como jurista ou como judeu e crente, em solidariedade com outra fé?Depois da decisão, recebi centenas de e-mails. Muitos diziam “obrigado por defender o crucifixo”. Muitos outros, vindos da comunidade judaica, perguntavam: “Como pode o filho de um rabi defender o crucifixo?” A todos, aos que me felicitavam ou que me condenavam, respondi o mesmo: “Não defendi o crucifixo. Defendi o direito da Itália a ser Itália e o direito de França, onde a cruz é proibida, a ser a França.”
Ou seja, a possibilidade de leis diferentes…Acredito no valor do pluralismo nas relações entre a Igreja e o Estado, que existe na Europa, onde temos vários modelos: o modelo francês, o britânico, o alemão, etc. Isso é parte da força da civilização europeia. A decisão da câmara, por 17 contra zero, dizendo que a Itália estava a violar a Convenção Europeia por ter uma cruz nas salas de aula, parecia-me tão drástica que forçaria todos a ser como França. Isso parecia-me completamente contra o pluralismo e tolerância que existe na Europa.
E escreveu o editorial no European Journal of International Law
Sim. Dizendo que era uma decisão terrível. Como podia o tribunal decidir que a tradição na Grã-Bretanha, na Alemanha, em Malta, na Grécia ou na Dinamarca era contra os direitos humanos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos? Perguntaram-me se queria ir ao tribunal. Concordei, com uma condição: seria pro bono, não queria que dissessem: “Olha o judeu, por dinheiro até é capaz de defender a cruz”. [ri] Decidi fazê-lo, porque acreditava que era a atitude certa.
Não foi só a Itália a defender essa posição. 
Oito estados intervieram, convidando-me. A Itália defendeu a própria posição. O facto de ser judeu é irrelevante. Sou constitucionalista praticante e tal parecia-me errado, no âmbito da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Há duas coisas mais importantes, que me parecem erradas, no âmbito da Convenção e que me ajudaram a reagir: estou verdadeiramente cansado do argumento, repetido à exaustão, de que o Estado é neutro, em matéria religiosa, quando não permite o crucifixo na parede.
E não é assim?
Tentei convencer a câmara de que esse é um argumento errado. Se o Estado quer que a cruz esteja na parede, não é neutro. De certa maneira, é tomar uma posição sobre a importância do cristianismo na identidade do país. Ou seja, há algo na identidade do país que se quer valorizar com a cruz na parede e essa não é uma posição neutral.
Mas quando o Estado, como em França, proíbe a cruz, não está a ser neutro. Porque não há uma parede nua, vazia. Qualquer coisa pode ser colocada na parede: se amanhã houver uma maioria comunista, podem dizer que em todas as escolas tem que haver uma foice e um martelo.
Podem?
Sim, e não há nada na Constituição que o impeça: pode ter uma fotografia de Karl Marx na parede, pode ter um sinal de paz, uma posição ecológica… De facto, em todas as escolas primárias de França, está escrito: Liberté, egalité, fraternité - oslogan mobilizador da Revolução Francesa.
Eu gosto disso, mas não é neutral. Se for monárquico, não é neutro, seguramente. Qualquer símbolo é permitido nas paredes: Karl Marx e Groucho Marx; o sinal de paz, a foice e o martelo, o símbolo “nuclear não”. Há apenas um que não é permitido: a cruz, um símbolo religioso. Como é que isso é neutro?
Nem a estrela de David nem o crescente islâmico…
Sim… As crianças podem ir para a escola e usar uma t-shirt com uma fotografia de Che Guevara, podem ter escrito Love and Peace, podem ter um insulto a George Bush, qualquer posição política ou ecológica, podem levar o triângulo cor-de-rosa pelos direitos dos gays. A única coisa que não podem levar é a cruz, a estrela de David e o crescente.
Nem podem vestir o chadorNão… Isso não é ser neutro, é dar uma mensagem clara às crianças: tudo é permitido, excepto um símbolo religioso.
Na minha arguição, não disse que a França viola a Convenção Europeia por ter essa regra. Na tradição europeia, o Estado laico é uma opção respeitável. Mas não pretendam que seja neutro. Ele diz que tudo é permitido, excepto a cruz ou a estrela de David, e está a dar uma mensagem sobre religião.
No sistema italiano, apesar da cruz, há um dever educacional de respeitar os ateus e outras religiões. No sistema francês, onde se proíbe a cruz nas paredes mas se permite tudo o resto, há o dever de explicar aos estudantes que, apesar de se permitirem todos os símbolos excepto os religiosos, se deve ensinar o respeito pelos crentes. Nenhum dos sistemas é neutro. Em ambos está implícita uma espécie de preconceito. E em ambos é tarefa do sistema educativo contrabalançar as coisas para que a escola não ensine o preconceito mas a tolerância.
Esse era o seu primeiro argumento…
O segundo era: acreditamos na autodeterminação como direito fundamental. Acreditamos no direito de os britânicos serem britânicos e de os irlandeses serem irlandeses. A razão por que temos a Irlanda independente da Grã-Bretanha, em 1921, é porque os irlandeses são diferentes dos ingleses.
Como podemos imaginar a identidade irlandesa sem o catolicismo? No preâmbulo da Constituição irlandesa, diz: “Acreditamos que o Divino Senhor Jesus Cristo é a fonte de todo o dever, justiça e verdade.” Isto é o que são os irlandeses. O que vamos dizer-lhes? Não permitimos um sentido de nacionalidade que tem um tal conteúdo religioso?
O que é bonito na Europa, mesmo apesar da Constituição irlandesa, é que não há discriminação por causa da religião. Um judeu pode ser primeiro-ministro. Como um muçulmano ou um ateu. E aceitará que é impossível falar da identidade irlandesa sem o catolicismo e a cruz. Para o bem e o mal.
Mas é possível também que as sociedades mudem?Mas compete às sociedades mudar. Na minha arguição - que é curta, eu só tinha 20 minutos -, dizia que, se um dia os ingleses decidirem deixar de ter o Anglicanismo como religião oficial, podem fazê-lo. Não é um país religioso, a maior parte dos britânicos não é religiosa. Mas faz parte da sua identidade.
Os suecos mudaram a Constituição e decidiram que a Igreja Luterana deixaria de ser a religião estabelecida no país. Mas foram eles que definiram a sua identidade sueca, não foi Estrasburgo. Não compete a Estrasburgo dizer que eles não podem ter uma cruz na bandeira. Eles deixaram de ter a Igreja oficial mas mantiveram a obrigação de o rei ser um luterano. O símbolo do Estado tem que ser um luterano.
Na sua arguição, afirmou também que este é um conflito entre o direito individual e o Estado. No caso italiano, tratou-se precisamente de uma mãe ofendida pela presença da cruz…Em muitos casos, temos um conflito entre diferentes direitos fundamentais. O hino nacional inglês é uma oração: “God Save the Queen”, dá-lhe vitórias e glórias. Na escola, canta-se o hino nacional. E se houver um estudante que diz “sou ateu, não creio em Deus e não quero cantar uma oração”? O direito individual estará comprometido se a escola forçar esse estudante a cantar o hino nacional e se o ameaçar de expulsão. Ninguém pode ser forçado a fazer um acto religioso, uma oração, mesmo quando não acredita…
Pode ser um republicano…Claro, não tem que dizer “Deus salve a rainha”. Isso eu aceito. Mas não aceito que esse estudante ou a sua mãe digam que mais ninguém deve cantar o hino. É um compromisso simpático: ele tem o direito de ficar em silêncio, os outros o direito de cantar. E todos têm direito à liberdade religiosa.
A minha mãe cresceu no Congo Belga. A única escola para brancos era um convento católico. Os pais dela fizeram um acordo com as freiras: cada vez que elas dissessem Jesus, a minha mãe diria Moisés. É um bom compromisso.
Não podemos permitir que a liberdade de [ter ou não] religião ponha em causa a liberdade religiosa. Temos que descobrir a via média. E essa é dizer não, se alguém quiser forçar outro a beijar ou a genuflectir perante a cruz. Mas, se houver uma cruz na parede, direi aos meus filhos que vivemos num país cristão. Somos acolhidos, não somos discriminados. A Dinamarca tem uma cruz na bandeira, a Inglaterra e a Grécia igual. Vamos pedir que, por causa da liberdade religiosa, tirem a cruz das bandeiras? Absurdo!…
É por causa disso que fala de argumentos iliberais?
Sim, porque o ponto de vista liberal é, muitas vezes, iliberal. As pessoas falam de liberdade religiosa, mas, de facto, muitas vezes é cristofobia. Não é neutralidade, é antes porque não gostam do cristianismo e da Igreja. Sei por quê: a Igreja tem uma história complicada…
É também por causa disso?
Claro. Compreendo, mas não devemos mascarar os factos. Vivemos numa sociedade em que algumas pessoas são religiosas, outras não. A questão é como vivemos juntos. Não podemos pretender que, se negarmos todas as religiões no espaço público, isso é neutro. É o que faz a França, mas não é o único modo de o fazer.
Então deveria ser possível ter uma cruz na sala de aula e educar os estudantes para o pluralismo?
Absolutamente. Seria uma lição de pluralismo. Porque diríamos: apesar de ter uma cruz na sala de aula ou uma cruz nas bandeiras, permitimos que um primeiro-ministro seja muçulmano ou judeu. A Itália teve primeiros-ministros, generais e ministros judeus.
Na Grã-Bretanha, o chefe de Estado é o chefe da Igreja, há uma Igreja de Estado, o hino nacional é uma oração. Quem diria que o país não é tolerante? É o país de eleição para muitos muçulmanos emigrantes. O facto de haver uma identidade religiosa e uma prática de não-discriminação é um sinal de uma sociedade pluralista e tolerante.
De certa maneira, a Grã-Bretanha com a cruz é mais pluralista e tolerante do que a França, sem a cruz. Porque na Grã-Bretanha, apesar de afirmar a identidade religiosa do Estado, é não discriminatória em todos os aspectos da vida. Financia escolas anglicanas, mas também católicas, judias, muçulmanas e seculares. Os países laicos financiam escolas seculares, mas não escolas religiosas. Quem é mais tolerante e pluralista?
Evocou a herança cristã da Europa, debatida a propósito da Constituição Europeia. Se ela tivesse avançado, também devia referir a herança judaica e muçulmana e a Revolução Francesa?Deveria ter uma referência às raízes cristãs.
E judaicas e muçulmanas. Na Península Ibérica, por exemplo…Na Europa, também há vegetarianos. É uma questão de grau. Temos que mencionar judeus, muçulmanos, baha”ís? Eu também falaria de raízes judaicas e muçulmanas na cultura hispânica. Mas, na Europa, a maior parte é cristã. Não falaria de raízes cristãs no Egipto, mesmo havendo uma minoria cristã no país.
De um ponto de vista cultural, o cristianismo jogou um papel decisivo na definição da civilização europeia. Para o bem e para o mal. As raízes cristãs são também a Inquisição, judeus queimados. Quando eliminamos as raízes cristãs, obliteramos também a memória das coisas más que a cristandade fez.
Não há uma cidade na Europa sem uma catedral, onde o museu não esteja cheio de pintura sacra. E os direitos humanos não derivam apenas da Revolução Francesa, derivam da tradição judaico-cristã. Porque queremos negar isso? O que se vê no Prado, no Museu Gulbenkian? Madonna con bambino… Isso não é a Europa? É um absurdo.
É possível coexistir a laicidade francesa e outros modelos?Claro, essa é a riqueza da Europa. A Europa lidera pelo exemplo, não pela força. Gostaríamos que por todo o mundo houvesse democracias pluralistas e tolerantes. Que possibilidades há de persuadir alguns países muçulmanos a abraçar o pluralismo se dissermos que a religião deve ficar na esfera privada?
Podemos dizer à Arábia Saudita: podem tornar-se uma democracia, reconhecer os direitos humanos e manter a vossa identidade muçulmana. Reparem no que se passa na Grã-Bretanha, reparem no pluralismo europeu: há um modelo francês, um britânico, um grego. Não somos apenas como os franceses.
Tem amigos entre os católicos conservadores, mas também defende os direitos dos homossexuais, o que não é simpático para esses católicos…Que posso eu fazer? Vieram ter comigo, quando começaram a falar dos direitos dos homossexuais. A questão não era o casamento homossexual, mas porque têm os homossexuais de ser discriminados? Não há razão para isso.
Mesmo hoje, ensino os meus alunos como crente, mas digo-lhes: ninguém deve perder o emprego por ser homossexual, a ninguém deve ser negado alojamento por ser homossexual. Nos campos nazis, exterminaram os judeus e os homossexuais. Não posso esquecer isso.
Por Reinaldo Azevedo


 
advogado Josph Weiler