quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Os palestinos e o mundo


David S. Moran
Em setembro os palestinos trarão a Assembleia Geral da ONU a proposta para a criação de um estado palestino. Informalmente esta proposta já conta com o apoio da grande maioria dos países da Organização. Vejamos uma breve retrospectiva histórica do povo palestino e do suposto estado palestino. Este jamais existiu nem nos olhos dos irmãos árabes e dos irmãos muçulmanos. A Síria considera a área do norte do Estado de Israel parte da Grande Síria, que inclui o Líbano também e o Egito cobiçou o Sul do país. Na Guerra da Independencia, em 1948, aviões egípcios chegaram a bombardear Tel-Aviv. A Declaração da Partilha de 29 de novembro de 1947, que foi aprovada na ONU, sob a presidência do brasileiro Osvaldo Aranha, falou da criação de dois estados, um judeu e um árabe. Árabe e não palestino, Israel foi então criada e a parte árabe foi invadida e conquistada pela Jordânia no leste e no sudoeste o Egito conquistou para si a Faixa de Gaza. Nos anais da ONU e do mundo não existiu povo palestino até a segunda metade da década de 70 do século XX (basta olhar todas as resoluções da ONU). Quando perguntaram a premier Golda Meir, do povo palestino, ela respondeu "que povo palestino, não existe um povo palestino".
Mas atos dos ditos palestinos já começaram a ser conhecidos pelo mundo, pelos seus ataques terroristas. O primeiro ato da Organização da Libertação da Palestina (OLP) foi em 01 de janeiro de 1964 (alguns anos antes da Guerra dos Seis Dias e da história dos territórios ocupados). Também foram os palestinos que introduziram ao mundo o seqüestro de aviões, sua explosão (na década de 60) e consequentemente nos levaram a toda esta bagunça nos aeroportos como a conhecemos atualmente. O "mundo" aturava todos estes atos de terror impunes e até financiava a OLP, para que se mantenha longe. Era tipo de seguro. Nestes dias foram publicados relatórios secretos do Departamento de Estado americano, que comprovam que foi por ordem explicita do Yasser Arafat a invasão da embaixada saudita em Khartum e o assassinato (vem da palavra árabe haxaxin) do embaixador americano e seu vice, em marco de 1973. Isto não impediu os americanos de cortejar o Arafat e das honras de chefe de estado (?) que recebeu em todo lugar e até na ONU, onde apareceu na Assembleia Geral em 1974, como ninguém o fizera antes nem depois, entrando na organização da paz, com um revolver a tira colo.
Se o leitor perguntar porque depois de 63 anos ainda não foi solucionado o problema palestino, a resposta não e tão complicada. Nos países árabes os palestinos são considerados cidadãos de segunda categoria, não recebem cidadania, não podem trabalhar em todas as profissões, além de serem confinados a campos de refugiados para perpetuar o problema. Lembremos apenas a chacina que o rei Hussein da Jordânia promoveu contra os palestinos em "setembro negro" (1970), da expulsão de 300.000 palestinos do Kuwait, em 1991, por Arafat ter apoiado o Saddam Hussein, ou da bronca que Arafat levou do presidente egípcio, Mubarak, "assina calb ibn calb" (“cachorro filho de cachorro”), em Camp David, quando no último segundo voltou atrás aos acordos já acertados. Até a ONU ajuda a perpetuar o problema pela criação de uma agência-UNRWA - que só lida com refugiados palestinos, como se não existissem outros refugiados no mundo. Aliás, as centenas de milhares de refugiados judeus expulsos de países árabes e os que fugiram da Europa pos Holocausto, Israel absorveu e terminou de vez.
Queiramos ou não, hoje há um povo palestino e ele tem direito ao seu país. Após milhares de atentados terroristas com milhares de mortos feridos, o "mundo" se esquece destes fatos e provavelmente aprovara - em contrário aos acordos com Israel, que proíbem ações unilaterais - a criação de um estado palestino. Mas que estado será este? Do Hamas da Faixa de Gaza, que não reconhece o Estado de Israel e o bombardeia incessantemente ? Ou será da Autoridade Palestina, que não consegue nem controlar e se impor aos seus irmãos palestinos da Hamas? Os palestinos fizeram inúmeros atentados e saíram delas impunes. A cada atentado Arafat era mais cortejado. Isto refletiu no mundo islâmico e o gênio saiu da garrafa em 1973, com o aumento do preço do petróleo e o surgimento dos novos donos do dinheiro. Eles introduziram ao mundo o seqüestro e explosão de aviões, matanças nunca antes vistas em ataques suicidas em ônibus,nas cidades, o horror do atentado as Torres Gêmeas em Nova York, em igrejas, e até mesmo em mesquitas (esta semana em Bagdá mataram 28 e feriram 53 sunitas).
Vários paises patrocinaram as organizações para mantê-las longe dos seus paises, outros paises fecharam os olhos colaborando pacificamente para estar a "salvo". Alguns países, como o Iraque, Afeganistão e Paquistão, receberam bilhões de dólares, como nenhum outro país. E o que deram em retribuição ? Os 4 milhões de palestinos, ao longo dos anos, receberam principalmente de países do Ocidente mais do que a Europa toda recebeu através do “Plano Marchal” para sua reconstrução após a II Guerra Mundial. Aonde toda esta fábula foi parar? Infelizmente, quando abrimos o jornal e lemos notícias internacionais, ali estão a Síria, Líbia, Somália, Tunísia, Egito, Turquia, Afeganistão, Paquistão, Irã, Iraque etc que tem em comum a sua crença muçulmana e só relacionados a mortes e destruição. Dos 1.3 bilhões de muçulmanos não vemos uma só notícia de conquistas no mundo literário, cientifico, esportista. Nenhum "Prêmio Nobel" ou outro prêmio de destaque no mundo. São 1,3 bilhões de pessoas em 64 países. A criação de um estado palestino recebe apoio mundial (também por medo de represálias), apesar de que os palestinos se recusam a reconhecer e a dialogar com um país com que terão de lidar a vida toda, com o seu vizinho Israel. Como disse há anos o chanceler israelense Abba Eban, "os palestinos não perderam nenhuma oportunidade de perder oportunidade".


Fonte: Jornal ALEF

"As Maravilhas de Israel - como preparar sua viagem".


 Israel Wonders

terça-feira, 30 de agosto de 2011

" Com Israel, Custe o Que Custar "

























Por Stephen Harper – Primeiro Ministro do Canadá  




Discurso na Conferência de Combate ao Antissemitismo
Otawa, Canadá, 9 de novembro de 2010
Há duas semanas visitei a Ucrânia pela primeira vez.
Em Kiev depositei uma coroa de flores em Babi Yar, local de numerosas atrocidades do Holocausto. Tive ali a mesma impressão que tinha tido em Auschwitz em 2008 – que tais horrores desafiam toda a compreensão.


No Canadá,
temos dado alguns passos para avaliar e combater o antissemitismo em
nosso próprio país…
No local dos assassinatos em Babi Yar, eu sabia estar visitando um local onde o mal – o mal em sua forma mais cruel, obscena e grotesca – tinha sido perpetrado. Mas embora o mal dessa magnitude possa ser inimaginável, mesmo assim é um fato. É um fato da história. E é um fato da nossa natureza – que seres humanos possam escolher serem desumanos. Este é o grande paradoxo da liberdade. Aquele enorme poder, aquela grave responsabilidade – de escolher entre o bem e o mal.



Não vamos nos esquecer de que mesmo nas horas mais sombrias do Holocausto, os homens eram livres para escolher o bem. E alguns o fizeram. Este é o eterno testemunho dos Justos Entre as Nações. E não podemos nos esquecer que mesmo agora, há aqueles que escolheriam o mal e decretariam outro Holocausto, se não fossem vigiados. Este é o desafio que temos à frente nos dias de hoje.


O horror do Holocausto é único, mas é apenas um capítulo na longa e ininterrupta história do antissemitismo. Porém em debates atuais que influenciam o destino do país judaico, infelizmente, existem aqueles que rejeitam a linguagem do bem e do mal. Eles dizem que a situação não é preta e branca, e que não devemos tomar um lado.


Em reação a esse ressurgimento da ambivalência moral nessas questões, devemos falarclaramente. Lembrar o Holocausto não é meramente um ato de reconhecimento histórico. Deve ser também um entendimento e uma tarefa. Um entendimento de que as mesmas ameaças existem hoje. E uma tarefa que é uma solene responsabildiade lutar contra essas ameaças.

Dever de Entrar em Ação 

Os judeus atualmente em muitas partes do mundo e muitos ambientes diversos estão cada vez mais sujeitos a vandalismo, ameaças, calúnias, e mentiras antigas.


Devemos combater ideologias antissemíticas, anti-americanas e anti-ocidentais, que tem como alvos o povo judeu e Israel, como fonte de injustiça e conflito no mundo, e usam, perversamente, a linguagem dos direitos humanos para fazê-lo.Deixe-me chamar a sua atenção para algumas tendências particularmente perturbadoras. O antissemitismo conquistou um lugar nas nossas universidades, onde às vezes não é a turba que é removida, mas os alunos judeus sob ataques. E, debaixo da sombra de uma ideologia de ódio com ambições globais, aquele que visa ao país judaico como um bode expiatório, os judeus são selvagemente atacados em todo o mundo, como ocorreu, mais espantosamente, em Mombai em 2008.


Um impiedoso campeão daquela ideologia descaradamente ameaça “varrer Israel do mapa”, e muitas vezes despreza as obrigações que seu país assumiu sob os tratados internacionais. Eu poderia ir mais além, mas sei que você concordará num ponto: que isso tudo é bastante familiar.


Já vimos isso tudo antes. E não temos desculpas para sermos complacentes. Na verdade, temos um dever de agir. E para todos nós, isso começa em casa.


No Canadá, temos dado alguns passos para avaliar e combater o antissemitismo em nosso próprio país… Pela primeira vez, estamos lidando com o próprio registro do Canadá de antissemitismo oficialmente sancionado. Criamos um fundo para educação sobre a rejeição deliberada de nosso país aos refugiados judeus antes e durante a Segunda Guerra Mundial.


Porém é claro que devemos também combater o antissemitismo além das nossas fronteiras, um fenômeno crescente e global. E devemos reconhecer que, enquanto sua substância é tão grosseira como sempre, seu método agora é mais sofisticado.


Devemos combater ideologias antissemíticas, anti-americanas e anti-ocidentais, que têm como alvo o povo judeu e o país judaico, Israel, como fonte de injustiça e conflito no mundo, e usam, perversamente, a linguagem dos direitos humanos para fazê-lo.

Os Ferimentos para Provar 

Devemos ser incansáveis ao expor este novo antissemitismo por aquilo que é. Obviamente, como qualquer país, Israel pode estar sujeito a críticas justas. E como qualquer país livre, Israel se sujeita a esse tipo de crítica – sadia, necessária, um debate democrático. Mas quando Israel, o único país no mundo cuja própria existência está sob ataque – é consistentemente citado para condenação, acredito que estamos moralmente obrigados a tomar partido. A demonização, os duplos padrões, deslegitimação, os três Dês, são uma responsabilidade que todos nós temos de enfrentar.


E por falar nisso, eu sei, porque tenho os ferimentos pra provar, seja nas Nações Unidas, seja em outro fórum internacional, o mais fácil a fazer é simplesmente concordar e seguir com essa retórica anti-israelense, fingir que está sendo resolvido de maneira imparcial, e desculpar-se com a etiqueta de “negociador sincero”. Existem, afinal, muitos mais votos, muitos mais, em ser anti-Israel do que em defendê-lo.


Quando Israel, o único país no mundo cuja própria existência está sob ataque – é consistentemente citado para condenação, acredito que estamos moralmente obrigados a tomar partido.Mas, enquanto eu for Primeiro Ministro, seja na ONU ou na Francofônia ou onde for, o Canadá vai tomar posição, custe o que custar. E amigos, não digo isso apenas porque é a coisa certa a fazer, mas porque a história nos mostra, e a ideologia da multidão anti-israelense nos diz muito bem se dermos ouvidos a ela, que aqueles que ameaçam a existência do povo judeu são uma ameaça para todos nós.


Use a Liberdade Agora
Eu já tinha notado o paradoxo da liberdade. É a liberdade que nos torna humanos. Se vai levar ao heroísmo ou à depravação, isso depende de como a usamos.


À medida que o espectro do antissemitismo se espalha, nossa responsabilidade se torna cada vez mais clara. Somos cidadãos de países livres. Temos o direito, e portanto a obrigação, de falar e agir. Somos cidadãos livres, mas também os representantes eleitos de pessoas livres. Temos um dever sagrado de defender os vulneráveis, de desafiar o agressor, de proteger e promover os direitos humanos, a dignidade humana, em casa e fora dela. Nenhum de nós realmente sabe se escolheríamos fazer o bem, nas extremas circunstâncias dos Justos. Mas sabemos que hoje existem aqueles que escolhem fazer o mal, se tiverem permissão. Assim, devemos usar nossa liberdade agora, e confrontar a eles e seu antissemitismo a cada passo.


Este é o objetivo de nossa intervenção hoje; nossa determinação compartilhada de confrontar esse ódio terrível. A obra que aceitamos, em nossos países e em cooperação mútua, é um sinal de esperança.
Nosso trabalho juntos é um sinal de esperança, assim como a existência e a persistência da terra judaica é um sinal de esperança. E é aqui que a história serve não para advertir, mas para inspirar.


Como eu declarei no 60º aniversário da fundação do Estado de Israel, Israel surgiu como uma luz, num mundo que emergia da profunda escuridão. Contra todas as probabilidades, aquela luz não se extinguiu. Brilha reluzente, sustentada pelos princípios universais de todas as nações civilizadas – liberdade, democracia e justiça. Ao trabalharmos juntos mais unidos na família das nações civilizadas, afirmamos e fortalecemos aqueles princípios. E declaramos nossa fé no futuro da humanidade e no poder do bem contra o mal.
                                     Estes princípios estão baseados nos textos sagrados da Torá, do Talmud e da Lei Judaica, com os comentários dos Rebes de Chabad em referência ao Holocausto.

FONTE: 
http://www.coisasjudaicas.com

ULTERIOR DESENVOLVIMENTO DO TALMUD




OS COMENTÁRIOS
A elaboração e o estudo da matéria tradicional não terminou ao encerrar-se o Talmud babilônico, mas prosseguiu, embora por outros caminhos, até os nossos dias. Por essa razão, no presente capítulo, vamos tratar brevemente dos principais progressos do Judaísmo em relação com a obra que nos interessa, posteriormente ao ano de 500.
Os séculos VI e VII estão ocupados pelo trabalho dos saboraim, "opinantes", os quais deram o último retoque no Talmud. Os saboraim fizeram uma revisão profunda, aclarando as passagens obscuras, decidindo as duvidosas e fazendo algumas pequenas adições de matéria halachica. Finalmente, - e eis o que é mais importante - puseram por escrito o texto recebido, não obstante já havermos aludido anteriormente à teoria que sobre eles sustenta Kaplan. O trabalho dos saboraim nos chegou anônimo, embora conservemos os nomes de muitos deles.
Nos fins da época que viu o florescimento dos saboraim, começam a tomar importância, até chegarem a converter-se na máxima autoridade em questões tradicionais, os gueonim (plural de gaon - "excelência"), ou seja, os chefes da Academia de Sura e de Pumbedita durante os séculos VII a X, embora na segunda metade deste último século, o centro dos estudos talmúdicos se haja deslocado para o Ocidente. A autoridade dos gueonim era reconhecida em toda a Diáspora, constituindo, pois, um vínculo de união entre todos os judeus, os quais lhe dirigiam "perguntas"; e são precisamente as "respostas" (Responsa) a essas perguntas que constituem o caminho dos gueonim no desenvolvimento do Talmud. Dentre os numerosos gueonim, queremos citar apenas o nome de dois: o primeiro é Sherirá, autor da Epístola anteriormente citada; o outro é Saadia de Faium (882-942), gaon de Sura; além de ser um grande polígrafo, - autor, entre outras obras, da primeira versão da Sagrada Escritura para o árabe - gozou de fama como defensor da doutrina tradicional judaica frente aos ataques da seita herética dos caraim.
Ao chegar o ano 1000, o centro da atividade talmúdica e, em geral, de toda a cultura judaica, transferiu-se para o Ocidente, especialmente para a Espanha. Além das quatro codificações, obra de quatro judeus espanhóis aos quais nos referiremos adiante, merece destaque especial a importantíssima obra de R. Shelomó b. Isaac, mais conhecido - segundo a tendência hebraica de abreviar - por RASHI, que viveu na França, de 1040 a 1105. Rashi deixou-nos comentários de quase toda a Bíblia (é, sobretudo, conhecidíssimo o dedicado ao Pentateuco); porém, ademais, é autor de um comentário sobre o Talmud, no qual com grande agudeza de espírito torna compreensível, inclusive as passagens mais confusas; dando, quando é preciso, a variante oportuna; expondo o sentido com objetividade impessoal, razão pela qual converteu-se no comentário por autonomasia, que acompanha o Talmud em todas as edições.
comentário de Rashi tornou-se o ponto de partida dos estudos posteriores, realizados durante as séculos XII e XIII pelas escolas franco-alemãs que redigiram as tosafot (literalmente, "suplementos"), escólios que são tão complicados e sutis como claro é o comentário de Rashi. Algumas dessas tosafot aparecem marginalmente nas edições do Talmud.
A seguir, os estudos talmúdicos vão se deslocando pouco a pouco para o Este, convertendo-se no centro dos mesmos a Alemanha e a Polônia, onde floresce uma plêiade de comentaristas entre os quais merecem menção especial os nomes de Salomão Luria (1510-1573), autor de alguns hidushim ("novidades"), Samuel Edels (1555-1631), Meir Schiff (m. em 1641) e os comentários do célebre Elias de Vilna, falecido em 1797.





AS CODIFICAÇÕES
Nota mais detalhada daremos sobre as codificações talmúdicas. Tendo em conta a enorme variedade de material contido no Talmud, torna-se imprescindível dispor de algum método para poder-se achar na imensidade do oceano a gota de água que nos faz falta em determinado momento e, assim mesmo, é preciso reunir sistematicamente, elaborando para isso um índice, todos os textos que se referem a um mesmo tema. Isto explica porque, além dos inúmeros comentários de que o Talmud foi objeto (os principais já foram indicados), realizar-se-ão codificações das quais citaremos apenas as quatro mais importantes.
Essas codificações são, por ordem cronológica, as seguintes: A obra Halachot do norte-africano que viveu na Espanha, Isaac al-Fasi (m. em 1103), cujo código segue a ordem do texto talmúdico. Um século mais tarde, um cordovês, que a seguir emigrou para o Oriente, redigiu a segunda codificação. Referimo-nos a Moisés ben Maimon, mais conhecido por Maimônides (1135-1204), célebre em quase todos os campos da ciência, autor de um código completo do direito talmúdico, conhecido por Mishné Torá ("repetição da Lei") e, além de outras obras menores, de um comentário em árabe sobre a Mishná. A Mishné Torá é uma obra na qual se aprecia a grande capacidade de síntese e a exatidão de análise de Maimônides, assim como o seu apurado estilo. Livrando-se da forma de discussão, tira conclusões e apresenta-as de modo apodítico, dispondo as matérias sistematicamente segundo um plano orgânico, logicamente elaborado.
Jacob Ben Asher (m. cerca de 1340), filho de um talmudista e rabino da comunidade judaica de Toledo, escreveu a obra Arbaá Turim ("as quatro ordens") e, não obstante não possua os grandes méritos de Maimônides, foi muito utilizada, já que os talmudistas posteriores não eram capazes de captar, nem de apreciar os méritos da codificação do ilustre cordovês.
O último dos quatro códigos, o que na atualidade e desde a sua aparição goza de maior aceitação, é devido a José Caro (1488-1575), natural também de Toledo, não obstante ter vivido no Oriente. Leva o significativo título de Sulhan Aruch ("mesa preparada") e tem sido objeto de numerosos comentários, entre os quais se destacam as glosas de Moisés Isserles, de Cracóvia (século XVI), que muitas vezes acompanham ou vão insertos no texto da obra de Caro.





ATAQUES CONTRA O TALMUD
Uma obra de elaboração tão complicada, repleta de tantas dificuldades e por essa razão pouco estudada, era lógico que suscitasse discussões e ataques que foram se sucedendo desde que foi elaborada até pleno século XX. Referí-los todos, por extenso, ocuparia um livro bastante avultado; por isso, limitar-nos-emos a citar os principais.
Deixando de lado o forte ataque contido na Novela 146 de Justiniano, que foi escrita pouco após haver-se encerrado o Talmud, devemos assinalar que em 1239 e por ordem do papa Gregório IX, o Talmud foi queimado publicamente na Itália e na França. Só um ano mais tarde teve lugar em Paris a primeira das controvérsias públicas que se estenderam durante séculos, controvérsia que nos é conhecida graças à conservação dos relatórios de ambas as partes, escrita uma em hebraico e outra em latim. Poucos anos mais tarde, em 1263, teve lugar em Barcelona, na presença do rei Jaime I, a controvérsia na qual os judeus foram defendidos por Nahmânides, em conseqüência, do que, no ano seguinte o papa Clemente IV ordena por um lado queimar todos os manuscritos talmúdicos que fossem encontrados e, por outro, nomeia uma comissão que haveria de encarregar-se de expurgar do Talmud as passagens que considerassem ofensivas à Igreja.
Este decreto continuou em vigor até o século XVI, renovado, entre outras ocasiões, após a famosa controvérsia de Tortosa (1412-1414), que proibiu até mesmo o estudo do Talmud. Em princípios do século XVI, a partir do ano de 1510, foi iniciada a polêmica pública entre o convertido Pfefferkorn e o sábio humanista cristão João Reuchlin (1455-1522), que havia estudado o hebraico com mestres judeus, e gozava de prestígio pelo seu conhecimento das três línguas sagradas (grego, latim e hebraico). A polêmica prosseguiu com diversas alternativas, até que em 1520, o papa Leão X revogou o decreto de Clemente IV e permitiu que o editor Blomberg publicasse os dois Talmuds.
Porém apenas trinta anos depois, exatamente em 1553, Júlio III pôs novamente em vigor as medidas restritivas. As conseqüências dessa atitude são palpáveis; na segunda metade do século XVI o Talmud foi queimado publicamente em seis ocasiões, apesar de haver o Conselho de Trento permitido editá-lo, com a supressão de determinadas passagens.
Os ataques prosseguiram até há pouco tempo, pois inclusive no século XIX o erudito cristão Strack viu-se obrigado a defendê-lo, e contribuiu eficazmente para o melhor conhecimento do Talmud, com a publicação do seu Einleitung in Talmud und Midrash, já mencionado.


Fonte:DAVID ROMANO
Tradução e adaptação de
HENRIQUE IUSIM



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

" O TALMUD ".



GENERALIDADES
Uma vez constituída a Mishná canônica, os discípulos de R. Judá separaram-se: parte deles permaneceu na Palestina e os demais emigraram para a Babilônia, de onde muitos eram naturais. Estes discípulos iniciam o período dos amoarim(*) que desenvolvem sua atividade simultaneamente nas duas regiões, dando assim origem a duas obras: o Talmud palestinense e oTalmud babilônico, embora quando se menciona o Talmud(**) sem especificações, alude-se ao babilônico.
(*) Da raiz hebraica amor, que significa "dizer, falar, explicar". Por isso amorá equivale a "falador", no sentido de "expositor", "intérprete", "comentarista".
(**) O substantivo talmud (derivado da raiz lamod = estudar), significa literalmente "estudo" e é abreviação da frase talmud torá, "estudo da Lei". O vocábulo se aplica ao "estudo" realizado na Palestina, enquanto o realizado na Babilônia toma o nome de guemara, que em aramaico significa "complemento" e também "estudo". Mais tarde - e é o sentido em que o usamos - passou a designar o resultado dessa atividade ou "estudo".
Os amoarim (cujo número gira em torno de dois milhares) fizeram com a Mishná o que os seus antecessores, os tanaím, haviam feito com a Lei. Tomando-a como ponto de partida, discutiram parágrafo por parágrafo cada um dos tratados, dedicando-se a analisar os fundamentos bíblicos das leis (midrash), a resolver as contradições ou indecisões que nela apareciam e também a deduzir novas normas de conduta para casos não previstos; em uma palavra - a uma detalhada análise crítica. Mas comumente afastavam-se do tema objetivo da discussão, desviavam-se e sucessivamente iam passando de um assunto para outro, às vezes trazido por puro acaso, do que resulta que num só tratado são analisados temas muito diferentes, que pouca ou nenhuma relação guardam com o título do mesmo.
Não obstante a base seja a Mishná, têm-se também em conta a Tosefta e as baraitot, procurando resolver as contradições que existem entre elas. A Mishná fica incluída, incrustada no texto, e o conteúdo adota forma discursiva, indicando os nomes dos diversos opinantes no princípio das frases. Assim se explicam os numerosos pontos de vista e as discrepâncias que se observam em uma mesma discussão.
O Talmud (formado pela Mishná e pela Guemará) recebe o nome de shas, iniciais das palavras que significam "seis ordens", (da Mishná) - "Shishá Sedarim".
O Talmud Ierushalmi (jerosolimitano) também chamado Talmud de Eretz Israel ("palestinense") - denominação que melhor lhe convém, já que se foi formando em toda a Palestina, a maior parte nas escolas de Tiberíades e o resto em Séforis e Cesaréia, porém nada na própria Jerusalém - foi adquirindo corpo desde 220 até aproximadamente o ano de 380, no qual, devido à instabilidade política do país, ficou suspenso. Isto explica o porquê de sua escassa autoridade no Judaísmo: as discussões são mais breves, mais apressadas pela instabilidade, e goza de menos prestígio porque não foi possível levar a cabo uma revisão definitiva. Porém, em que pesem todos estes fatores, tem certa importância por incluir alguns tratados que seu homônimo babilônico não comentou e, especialmente, porque nos conservou uma série de leis e de material agádico de grande valor para a história política e para o conhecimento do ambiente cultural e científico da época, razões que justificariam de sobra uma tradução ou conhecimento antológico do mesmo.
Mas, o mais importante é, sem dúvida, o babilônico, cuja formação vamos estudar em seguida, assinalando incidentalmente os principais rabís palestinenses, uma vez que também aparecem nas páginas do Talmud Babilônico.
Muitos textos surgem simultaneamente nos dois talmuds e isto é explicável, tomando-se em conta que durante todo esse período houve relações constantes entre as duas regiões, com transferência de mestres de uma para outra.



FORMAÇÃO DO TALMUD BABILÔNICO
Diferentemente do que ocorria aos seus correligionários palestinenses, os judeus da Babilônia viveram, em geral, uma época de tranqüilidade e segurança que lhes haveria de trazer grandes benefícios em relação ao desenvolvimento de sua vida cultural. Em algumas localidades da região mesopotâmica, como, por exemplo, Nehardea e Pumbedita, que eram habitadas exclusivamente por judeus, não era de estranhar tal sossego; mas também dele gozavam nas cidades em que conviviam com crentes de outras religiões. Sua vida transcorria placidamente e gozavam de prosperidade econômica, seja dedicando-se à agricultura ou à artesania, seja participando da vida comercial do país.
A par da liberdade física, gozavam de certa independência política, já que à frente dos judeus achava-se o Resh Galuta (literalmente, "chefe do exílio"), ou seja, o exilarca, dignidade que ostentavam os descendentes de David, confirmados pelo monarca reinante. O exilarca era o representante dos judeus reconhecido pelas autoridades do país e ocupava lugar destacado nas grandes solenidades da côrte. Mas, junto a isto, tinha atribuições mais concretas: atuava como juiz em causas civis e também penais de seus correligionários. Alguns exilarcas aliás, gozavam de grande aprêço e autoridade em assuntos propriamente religiosos, devido a seus conhecimentos particulares.
Lógico é que sob tais circunstâncias favoráveis florecesse e se desenvolvesse no decorrer de três séculos um grande movimento cultural, centrado principalmente na ciência religiosa muito embora sem excluir por inservíveis ou inúteis os conhecimentos profanos. Durante esses trezentos anos discutiu-se a Mishná de Rabi e, ao final, foi reunido todo o material elaborado, constituindo-se assim a Guemará.



As Sete Gerações de Amoarim
Estes comentários foram realizados pelos amoarim babilônicos, designados com o título de rav ("mestre"), que se agrupam, por razão de métido, em sete gerações(*) que abrangem aproximadamente as seguintes épocas (junto aos períodos vão os nomes dos principais sábios de cada geração):
(*)Os palestinenses vêm designados com o título de rabi e só desenvolveram sua atividade durante as cinco primeiras gerações.

200-250Rav e Samuel.
250-300Huna e Judá bar Ezequiel.
300-335Huna b. Hía, Hisda, Rabá, José bar Hía.
335-360Abaié e Rava.
360-375Papa.
375-425Ashi.
425-500Ravina II.



1ª geração (200-250):
A primeira geração dos amoarím babilônicos havia-se formado intelectualmente na Palestina, principalmente sob a direção de Rabi. À morte do Mestre, a maioria deles regressou ao seu país natal levando consigo a Mishná, a cujo comentário iam dedicar-se. Desse modo transportaram para as margens do Eufrates a bagagem de conhecimentos, a ciência adquirida nas escolas palestinenses, e ali desenvolveram, paralela e simultaneamente aos seus correligionários palestinenses, uma grande atividade no terreno da ciência religiosa. Dois foram os principais introdutores e ao mesmo tempo os que criaram as bases de tais estudos: Rav e Samuel.
Aba Arecha (175-247), mais conhecido por Rav, ou seja, "o mestre" por antonomasia, era sobrinho de R. Hía, o autor da Tosefta. Havia estudado em Séforis, onde tinha sido ordenado por R. Judá ha-Nassi. Ao regressar à Babilônia, foi nomeado chefe da escola de Nehardea, fundada anos antes, mas cujo brilho intelectual fora escasso até então. Não obstante, renunciou ao cargo em favor de seu bom amigo e condiscípulo, Samuel, que era justamente natural de Nehardea. Durante algum tempo, Rav teve a seu cargo a inspeção de pesos e medidas e, em geral, a vigilância do mercado. Mas pelo ano de 219, após haver considerado o abandono cultural em que se achava a região de Sura, decidiu-se a abrir ali uma Academia que haveria de compartir, primeiro com a de Nehardea e a seguir com a de Pumbedita (fundada mais tarde), a supremacia religiosa do judaísmo babilônico.
Sua escola viu-se de pronto concorrida, assistindo a ela numerosos discípulos, os mais pobres dos quais eram ajudados por Rav graças aos emolumentos que obtinha de seus cargos civis. Para incrementar ainda mais o comparecimento à sua escola, organizou o ensino de tal modo que possibilitava a assistência de que precisava lutar pelo seu sustento; duas vezes por ano, durante os meses de Adar e Elul(*), chamados "meses de reunião", dava conferências públicas às quais assistiam numerosos discípulos que dedicavam o resto do ano aos seus afazeres profanos. Permaneceu à frente de Sura até sua morte, em 247.
(*)Ou seja, no princípio da primavera e do outono, respectivamente.
Seu caráter, semelhante ao de Hilel, era suave, dócil, benevolente. Desconhecemos o método que seguia em sua docência; porém sabemos que se dedicava a comentar sistematicamente cada um dos tratados da Mishná elaborada pelo seu Mestre, e que com suas interpretações e deduções agravou bastante as leis rituais, embora em questões de direito civil sua opinião tenha tido pouco peso, sendo preferidas as decisões de seu amigo Samuel.
Mar Samuel (180-254), conhecido por Samuel (também por Arioch), era filho de Aba bar Aba. Havia comparecido aos ensinamentos do patriarca Judá, ao qual tinha curado de uma grave affecção; porém, em que pesem os seus grandes conhecimentos, não chegou a ser ordenado.
Natural de Nehardea, Samuel ocupou a direção da escola por renúncia de Rav. Já mencionamos que gozava de grande autoridade em assuntos de direito civil. A ele deve-se a célebre sentença Dina d'malcuta dina, "a lei do estado é a lei" que tanta importância haveria de ter para o futuro dos judeus estabelecidos nos mais variados territórios e submetidos a leis estatais muito diferentes das suas próprias.
Além de conhecer profundamente a tradição e de saber interpretá-la, Samuel sobressaia também em medicina(*) e em astronomia, estudo no qual fora introduzido por seu amigo pagão Ablat e não se envergonhava de afirmar, nem a modéstia lhe vedava dizer, que "os caminhos do céu lhe eram tão familiares como as ruas de Nehardea".
(*) Cf. SCHAPIRO, D.: Les connaissances médicales de Mar Samuel. Revue des Etudes Juives. XLII (1901), 14-26.
Assim, pois, Rav e Samuel, unidos por profunda amizade, se completavam e juntos constituíam a máxima autoridade religiosa do país, até tal extremo que o conhecimento dos demais sábios de sua época são como uma "gota d'água comparada ao oceano".
Nessa ocasião sobressaiam na Palestina alguns sábios, cujos nomes aparecem freqüentemente nas páginas do Talmud babilônico, pelo que não será inútil citar os mais importantes: R. Ushaia, que recolheu parte dos baraitot; R. Josué ben Levi, adversário da Agadá e que por capricho do destino é protagonista de muitos relatos agádicos; R. Hanina ben Hama, assim como Iohanan bar Napaha e Simão bar Laquish, que citaremos na segunda geração.



2ª geração (250-300):
Dois são também os principais sábios desta geração: o primeiro formado junto a Rav e o outro discípulo de Samuel; ambos seguiram os caminhos e os métodos iniciados pelos seus respectivos mestres. Huna (212-297), que estudou com Rav, sucedeu ao seu mestre à frente da escola de Sura. Homem de modesta posição, que por si mesmo cultivava o seu campo, chegou a enriquecer e a possuir vultosas riquezas; mas a sua fama, deve-a aos seus vastos conhecimentos e, sobretudo, aos seus dotes de organizador, pois foi ele quem dotou o Judaísmo babilônico de uma organização que persistiu no decorrer de vários séculos. Durante os cinqüenta anos que permaneceu à frente da escola de Sura, esta alcançou grande esplendor e importância, até o extremo da autoridade de R. Huna ser reconhecida não só na Babilônia, como também na própria Palestina, onde foi sepultado por ocasião de sua morte.
Judá bar Ezequiel (220-299), o outro sábio mais destacado da época, era discípulo de Samuel, que o chamava "o sagaz" por suas grandes faculdades dialéticas. Dedicou-se a estudar a fundo as leis jurídicas de aplicação imediata, desdenhando ocupar-se das leis de pureza assim como as prescrições que careciam então de utilidade, ou melhor especificando, as referentes ao culto do Templo ou aquelas que só tinham aplicação na Palestina.
Na segunda metade do século III, Judá bar Ezequiel fundou em Pumbedita uma escola que depois da destruição de Nehardea (destruição realizada por Odenato, príncipe de Palmira, em 259), alcançou grande importância, disputando a supremacia à de Sura. Os membros de Pumbedita distinguiram-se sempre por sua grande profundidade dialética, até mesmo exagerada, ao passo que os sábios de Sura se destacavam pela vastidão de seus conhecimentos, mas eram pouco dados a deduzir novas leis. Estas são precisamente as características de cada uma das escolas.
Por ocasião da morte de Huna, em 297, Judá bar Ezequiel (cuja autoridade era também reconhecida na Palestina) foi nomeado chefe de Sura, cargo que ostentou durante dois anos.
Entre os demais sábios da época merecem destacar-se os nomes de Raba bar Abuha e, na Palestina, as figuras de Iohanan bar Napaha (179-279), aluno de Rabi, e de seu cundado, o célebre R. Simeão ben Laquish(*) (200-275), apelidado "remove-montanhas" que também havia conhecido Rabi, assim como o agadista Simlai, que polemizou com os cristãos.
(*) Também chamado Resh - R(abi) Sh(imon) - Laquish.



3ª geração (300-335):
Tendo falecido Judá bar Ezequiel, recaiu a direção da Academia de Sura nas mãos de R. Hisda (217-309) que se havia formado junto a Rav. Embora houvesse assistido as lições de R. Huna, seguiu o método dialético da escola de Pumbedita. Pobre em sua juventude, R. Hisda chegou a conseguir uma riqueza que se tornou mesmo proverbial. Por ocasião de sua morte, foi sucedido por Rabá bar Hana, que dirigiu Sura desde 309 até 323.
Nessa época os discípulos de Sura começam a emigrar, dirigindo-se à escola de Pumbedita, para cuja direção havia sido eleito Raba bar Nahmani, o qual renunciou em favor do rico Huna bar Hía, que manteve o cargo até a sua morte, ocorrida em 309.
Morto este, estabelece-se um pleito sucessório. Dois candidatos disputam o cargo: José bar Hía e Raba bar Nahmani. Mas como um astrólogo havia predito ao primeiro que só exerceria o cargo durante dois anos, renunciou este ao seu opositor.
Raba bar Nahmani (270-330), conhecido simplesmente por Raba, era natural da Galiléia e havia estudado nas escolas de seu país natal; porém logo se transferiu para a Babilônia, onde alcançou grande prestígio na halachá - também é conhecido por "remove-montanhas" -, ao contrário de seus irmãos Ushaiá e Hananiá, que se destacaram como agadistas.
Sob sua direção a escola de Pumbedita alcança o auge, comparecendo a ela doze mil discípulos, aos quais explicava sistematicamente todos os tratados da Mishná, porém entremeando as suas explicações com relatos agádicos para atenuar, desse modo, a aridez da matéria haláchica.
À sua morte, foi sucedido pelo já mencionado José bar Hía (270-333), que gozava de reputação pela enorme quantidade de conhecimentos que guardava em sua memória, razão que explica o apelido de "Sinai" pelo qual é conhecido. Porém de corpo enfermiço, perdeu primeiro a vista e, mais tarde, a memória, o que é um indício do perigo que encerrava entesourar mais e mais conhecimentos confiando-os unicamente à memória para que uma enfermidade pusesse fim a toda a ciência adquirida.
A esta geração pretencem, entre outros: Rav Sheshet, o orgulhoso R. Nahman bar Jacob (235-324), discípulo de Samuel, casado com Ialta, filha do exilarca, mais orgulhosa ainda que o seu marido; e também o babilônio R. Zeira, cuja atividade se desenvolve na Palestina em uma época em que lá gozavam de preferências o agadista Abahu e os halachistas R. Ami e R. Ashi.



4ª geração (335-360):
A José bar Hía, chamado o Cego, sucedeu Abaié, sobrinho do antes citado Raba bar Nahmani, que junto com Rava bar José bar Hama personalizava a ciência religiosa daquela época, e ambos aparecem citados em quase cada página do Talmud babilônico.
Abaié (280-338), cujo verdadeiro nome era Nahmani - trocou-o seu tio - exerceu seu magistério em Pumbedita numa época na qual se acentua a decadência iniciada na geração anterior.
Rava bar José bar Hama (299-352), chamado usualmente Rava, era natural de Mahoza, localidade na qual fundou uma escola a cuja frente permaneceu até a morte de Abaié, ao qual sucedeu em Pumbedita. Chegou a ser tão rico como R. Hisda e tão sábio como R. Huna, porém, a despeito de seus desejos, não logrou adquirir a modéstia que caracterizava Raba bar R. Huna.
Nesta geração destacam-se também: na Babilônia, R. Nahman bar Isaac (280-356), sucessor de Rava em Pumbedita; e na Palestina, o patriarca Hilel II e R. Jeremias.



5ª geração (360-375):
Continua, em ritmo acelerado, a decadência das escolas, pelo que são poucos os doutores que se podem equiparar aos citados nas páginas anteriores. O mais importante é R. Papa bar Hanan (300-375). Rico e órfão desde tenra idade, fundou, em 356, uma escola em Naresh, perto de Sura. R. Papa, com seu amigo R. Huna bar Josué, professor da referida Academia, quis encher o vazio que se havia produzido com a morte de Rava; mas em que pesem os seus bons desejos, não o lograram por carecerem da forte personalidade do Mestre.
Enquanto isso, de 356 a 377, a escola de Pumbedita era dirigida por R. Nahman bar Isaac.
Nessa época foi terminada a redação do Talmud palestinense, por obra de rabís pouco conhecidos e dos quais pouca coisa sabemos, tais como: R. Jonas, Tanhum bar Aba e o patriarca Judá IV, falecido no ano de 400.



6ª geração (375-425):
As condições favoráveis que até então haviam sustentado ao Judaísmo babilônico começam a decrescer e, em certas ocasiões, sofrem prolongado eclipse. Ante os perigos, físicos e espirituais, que ameaçam a vida, começa-se a sentir a necessidade de pôr a salvo a tradição.
Apesar de haver Amemar restabelecido a Academia de Nehardea, à frente da qual esteve de 390 a 422, a supremacia volta uma vez mais à Academia de Sura, dirigida por uma das maiores figuras do período talmúdico, a de R. Ashi.
Rabana Ashi (352-427) era de família acomodada e ainda jovem (tinha apenas 23 anos) quando foi nomeado, cerca de 375, chefe da Academia de Sura, cargo no qual permaneceu durante 52 anos. É evidente que esta longa permanência - tenha-se presente que durante o período em que Ashi esteve em Sura, em Pumbedita sucederam-se sete doutores - haveria de ter favoráveis efeitos no desenvolvimento e na fixação da tradição recebida. Rabana Ashi tinha, entre outras coisas, uma grande vantagem: à profundidade dialética própria dos doutores de Pumbedita unia os vastos conhecimentos tradicionais pelos quais eram célebres os mestres de Sura. Isto conferiu-lhe grande autoridade e explica o qualificativo de Rabana ("nosso mestre"), com que era designado.
Graças a ele, Sura converteu-se no centro indiscutível da vida religiosa do Judaísmo babilônico, tornando-se as suas aulas cada vez mais concorridas. Sua inteligência, autoridade e longa permanência no cargo tornaram possível que realizasse uma obra importante: recolher, recompilar tudo o que até então se havia elaborado. Cada ano, durante os "meses de reunião", dedicava-se a expor sucessivamente os tratados da Mishná, ao mesmo tempo que os ia comentando. Durante trinta anos foi recompilando materiais e, terminados estes, iniciou seu segundo período de atividades, ou seja, a elaboração mediante a qual havia de completar a obra de R. Judá ha-Nassí, pois a ele se deve a primeira ordenação do Talmud - alguns tratados foram redigidos em Pumbedita - que iria crescendo e sendo elaborado até que o encerrou definitivamente Ravina II.
Rabana Ashi não se limitou a levar a cabo um trabalho passivo ou de mera transmissão, mas, além disso, deduziu numerosas leis, resolveu as questões duvidosas e discutidas ou de conteúdo obscuro.



7ª geração (425-500):
Em meados do século V a insegurança chega na Pérsia ao extremo. Ao mesmo tempo, e como conseqüência disso, a cultura religiosa vai decaindo a passos gigantescos, pois a maioria dos sábios se limita a repetir, sem tentar criar.
Entre 455 e 468, tem lugar um curto renascimento: é a época em que Mar, filho de Rabana Ashi, dirige a escola de Sura e, seguindo as diretrizes de seu pai, prossegue a obra deste. A seguir as coisas vão se complicando e a situação piora a olhos vistos. No ano de 470, o exilarca Huna Mari e vários sábios sofrem, pela primeira vez na comarca, o martírio. Quatro anos mais tarde foram suprimidos os tribunais judaicos e proibidas as assembléias dos "meses de reunião". Começa a emigração.
Os dois últimos amoraim, ou seja: Ravina II, chefe de Sura de 488 a 499 e R. José, de Pumbedita, consagram-se, com o auxílio de outros sábios, a terminar o Talmud, fazendo uma elaboração quase definitiva, até aproximadamente o ano de 500, quando R. José declara o Talmud encerrado.
A partir de então, como veremos, começa o trabalho do comentário ou, melhor ainda, do super-comentário, labor iniciado no século VII e que prossegue ainda.



A REDAÇÃO DO TALMUD BABILÔNICO
A Guemará babilônica que vinha sido transmitida oralmente, não obstante por vezes os doutores se utilizassem de apontamentos particulares e siglas mnemotécnicas, foi se ordenando gradualmente, mediante um processo longo e complicado, até que no primeiro quarto do século V Rabana Ashi, segundo já citamos, realizou uma cuidadosa revisão e coordenação dos tratados, reelaborada e acrescida continuamente até a morte de Ravina II.
Esta é a opinião mais aceita. Sem embargo, o momento em que teve lugar a redação da Guemará foi objeto de numerosas teorias (Gräetz, Frankel, Rapoport, Brull, Isaac Hirsch Weiss, Halevi) que aparecem resumidas em uma obra de Kaplan(*), em que após discutir e rechaçar as teses de seus antecessores, emite uma nova teoria, segundo a qual a Guemará não foi redigida pelos amoraim, que apenas fizeram uma breve e concisa formulação, mas que foi obra dos saboraim.
(*) KAPLAN, JULIUS; The redaction os the babylonian Talmud. New York, 1932.
Fonte básica para conhecer a redação da Guemará, é a epístola do gaon Sherirá que a escreveu como resposta à pergunta formulada pelos sábios de Kairuan, no norte da África, desejosos de conhecer como e quando fôra redigido o Talmud Babli(*).
(*) Um estudo de Abraham Weiss foi dedicado a analisar Le problème de la rèdaction du Talmud de Babylone par R. Asi à la lumiére de la Lettre de Serira. Revue des Etudes Juives, CII (1937), págs. 105-114.



CONTEÚDO DO TALMUD BABILÔNICO
Talmud Babli é editado geralmente em 12 volumes de letra miúda, incluindo em seu interior o texto da Mishná. Embora comente apenas 361/2 tratados desta (*), tem uma extensão três vezes maior que a de seu homônimo palestinense, se bem que a Guemará babilônica seja oito vezes maior que a palestinense.
(*) O Talmud Ierushalmi compreende 39 tratados, embora muitos autores sustentem a opinião, muito discutível, de que comentou todos os tratados da Mishná, porém que somente estes 39 chegaram até nós.
Todas as leis agrárias, que eram válidas somente na Palestina, e as que guardam relação com os sacrifícios diretamente ligados à existência do Templo, não foram objeto de comentário na Babilônia. Por essa razão, da primeira ordem da Mishná tem guemará um só tratado, o Berachot ("bendições"), e da sexta ordem apenas meio tratado Nidá. Assim mesmo, tampouco comenta os tratados Pirquei Avot, de conteúdo agádico e o Eduiot - "testemunhos", acerca da antiguidade de algumas halachot, que não eram suscetíveis de comentário. Por outro lado, nas edições o tratado Shecalim está incluído em sua versão palestinense.
O Talmud Babli é o processo verbal das sessões celebradas nas Academias babilônicas e tratando-se de algumas atas, não é de estranhar a grande sutileza dialética que salientam os rabis, pelo que as discussões são amiúde longas e quase sempre bastante complicadas, pois vão passando sucessivamente de um tema a outro e logo a um terceiro, retornando, sem transição, ao primeiro, após haverem citado um sem fim de coisas que guardam relação com algum dos temas surgidos durante a discussão. Em geral a relação não é lógica, mas sim apaixonada, já que, por exemplo, ao aduzir-se a opinião de determinado doutor sobre o assunto, citam-se ao mesmo tempo todas as opiniões desse doutor seja qual for o tema a que se refiram. Tudo isso explica perfeitamente por que a ordenação não seja sistemática e meramente expositiva (como ocorria com a Mishná e com a Tosefta), mas que os tratados tratem principalmente, mas não exclusivamente, do que indica o seu título.
Mesmo que à primeira vista possa parecer que se analisam com expressivo detalhe, prolixamente, certas questões aparentemente bizantinas, não se deve julgar a priori, visto que é preciso ter em conta o motivo pelo qual são trazidas para confronto. Assim, por exemplo, o fato de discutir se certos alimentos são bons ou maus, ou se têm tais ou quais características ou propriedades - tem sua importância já que da conclusão a que se chega no final do debate, poder-se-á determinar que fórmula de bênção deve ser recitada ou que dízimos devem ser aplicados.
Todos os materiais contidos no Talmud podem classificar-se em dois grandes grupos, embora em geral esses materiais aparecam entremeados ou amalgamados. Estas duas partes são: aHalachá e a Agadá, as quais já tivemos oportunidade de mencionar em algumas ocasiões.
Halachá, que também é conhecida pelo nome de Shematá (que em aramaico significa "a oral"(*)), é o conjunto de regras de conduta; porém não abrange unicamente estas regras, mas também as discussões que conduzem à sua formulação, pelo que está redigida em forma discursiva.
(*) Assim é conhecida, inclusive entre os muçulmanos. Cf., por exemplo MASUDI: Kitab al-tanbih. Tradução de B. Carra de Vaux. Paris, 1896, pág. 160.
Porém, apesar da sua importância, uma vez que ainda hoje regula a vida do judeu ortodoxo, a Halachá tinha um inconveniente para chegar a ser popular: era excessivamente árida e o povo não era capaz de captar o seu valor. Isto nos explica a grande preferência que, em troca, sentia pelos relatos anedóticos e lendários que se incluem na Agadá.
Agadá, literalmente "narração", abrange tudo o que não é Halachá e esta é a definição mais exata que dela pode se dar, pois sua temática é variadíssima: desde a medicina aos feitos históricos, desde a arte culinária à moral. Do conjunto da Agadá (que no Talmud Babilônico representa a terça parte do total(*), é preciso destacar as narrações de conteúdo histórico, das quais nos valemos, junto com outros textos - principalmente dos midrashim, e examinando-as criticamente - para expor a sucessiva formação da Mishná e da Guemará.
(*) No palestinense ocupa só a sexta parte.
As edições do Talmud Babli contêm, além da Mishná e da Guemará, os chamados "pequenos tratados"(*) - por sua reduzida extensão - que figuram depois da quarta ordem. Alguns desses diminutos tratados remontam à época dos tanaim, se bem que a redação que chegou até nós foi realizada pelos seus sucessores. Assim ocorre com os tratados Semachot e Avot de R. Natan(**). Outros, em troca, são obra dos amoarim. Todos eles estão dispostos como se constassem da Mishná e da Guemará, o que quer dizer que oferecem um texto e alguns comentários ao mesmo. Estes tratados não foram incluídos no cânone talmúdico; mas como acontece que por si só, independentemente, têm escassa importância, e, por outro lado, são produções da mesma época da qual nos ocupamos, são por isso editados juntamente com o Talmud.
(*) Estes pequenos tratados são: Avot d'Rabi Natan, Soferim, Evel Rabati, Calá, Derech eretz zuta, Perec Shalom, Guerim, Cutim, Avadim. Outros quatro foram publicados pela primeira vez em 1851, por Kirchheim: Sefer torá, Mezuzá, Tefilim e Tsitsit.
(**) R. Natan foi contemporâneo de Rabi. O minúsculo tratado é uma espécie de "tosefta" ao Pirquei Avot.



IDIOMAS E ESTILO
O Talmud Babli contém textos escritos em três línguas diferentes. Em primeiro lugar, as passagens bíblicas aparecem citadas textualmente, ou seja, em hebraico clássico ou bíblico. O segundo idioma é o neo-hebraico, no qual está redigida a Mishná e, além disso, todas as opiniões e relatos dos tanaim e de alguns dos primeiros amoraim que vêm citados na Guemará. A estas duas línguas, acrescenta-se a terceira: o aramaico, representado basicamente por dois dialetos: o ocidental, falado na Palestina, e o oriental, na Babilônia.
Além das citações dos amoraím palestinenses, os quais, naturalmente, falavam o aramaico ocidental, foram-nos conservados no referido dialeto os textos daqueles doutores que, ou eram naturais da Palestina e se haviam transferido para a Babilônia, ou eram babilônios que haviam realizado seus estudos, ou parte deles, na terra dos seus antepassados. A dispeito disso, em que pese o seu número, são menos numerosos que os que nos chegaram em arameu oriental.
O arameu oriental que aparece no Talmud da Babilônia é, em regra, a fala popular, eivada de refrões; porém às vezes o texto ou a citação procedem de obras literárias. Junto a estas duas variantes, não se deve esquecer que os rabis são originários de diversas regiões mesopotâmicas, o que explica a existência de rodeios ou modismos locais; porém, por outro lado, é preciso ter presente a longa elaboração da obra, que nos esclarece a rezão de não haver um dialeto uniforme, já que aparece em muitos momentos de sua evolução. A tudo isso deve-se acrescentar as palavras gregas, latinas e persas que invadiram o léxico aramaico.
Esta variedade de idiomas em uma mesma obra, cria certo número de dificuldades para a sua interpretação. Não são, entretanto, as únicas, pois a elas deve-se acrescentar as derivadas do estilo.
O estilo da linguagem talmúdica é extremamente conciso, cortante, com pouca elegância, visto que afinal se trata de um idioma vivo, falado, reproduzido tal como, ou quase, saía da boca dos interlocutores. As orações estão unidas por simples justaposição, por uma associação de idéias que a miúdo é afetiva e não lógica; é muito freqüente a omissão do artigo, das proposições e até mesmo dos verbos; carece por completo de todo o sinal de pontuação, inclusive dos pontos e parágrafos. As únicas separações que aparecem no corpo do texto são os princípios de capítulo e a indicação, em abreviatura, do começo de um texto mishnaico ou da guemará. Tudo isso, ademais, escrito segundo a ortografia das línguas semíticas que, como é sabido, só escrevem as consoantes, ao passo que as vogais devem ser supridas pelo leitor.
Como já indicamos, todo esse aglomerado de dificuldades torna muito difícil a compreensão do texto talmúdico, que só se pode dominar ao cabo de longos anos de estudo constante, e mesmo assim só com a ajuda dos numerosos comentários e inclusive supercomentários (Rashi, "tosafot", etc.) que são editados, como que para adorná-lo, em redor do texto.



MANUSCRITOS, EDIÇÕES E TRADUÇÕES
Os mais antigos manuscritos do Talmud Babli que chegaram até nós são dois manuscritos parciais: o de Florença, escrito em 1176-1177 e o de Hamburgo, do ano 1184; porém o mais completo, embora não total é o Munich 95. Quando se empreender uma edição crítica do Talmud Babli, será preciso tê-los em conta, assim como muitos outros mais.
Sem embargo, até agora e deixando aparte adições mais ou menos críticas de certos tratados, o Talmud vem se reproduzindo exatamente do mesmo modo que apareceu na primeira edição, saída da prensa de Daniel Bomberg, em Veneza, desde 1520 a 1523. Uma vez que as edições modernas reproduzem exatamente esta edição, sem sequer mudar a paginação, as citações do Talmud Babli são feitas por fólios, linhas e versos (a e b respectivamente).
São numerosas as traduções parciais do Talmud babilônico; mas só existe uma versão completa, para o alemão, obra de L. Goldschmidt, publicada em Berlim-Leipzig, La Haya, 1897-1935.

Fonte:
DAVID ROMANOTradução e adaptação deHENRIQUE IUSIM