segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

"Na reta final de seu governo, o presidente Lula tomou a decisão de reconhecer o Estado Palestino nas fronteiras de 1967. Como Israel recebeu essa notícia?"




ENTREVISTA
Giora Becher,
embaixador de Israel no Brasil


Na reta final de seu governo, o presidente Lula tomou a decisão de reconhecer o Estado Palestino nas fronteiras de 1967. Como Israel recebeu essa notícia?
Lamentamos muito a decisão do Brasil de reconhecer um país que não existe. Isso não vai ajudar no progresso do processo de paz. Pelo contrário, vai complicar ainda mais os esforços para retomar as negociações diretas. Esse reconhecimento contraria todos os acordos já assinados entre israelenses e palestinos. É verdade que, em 1988, Arafat declarou um estado independente mas, em 1993, Israel e o governo palestino assinaram também os Acordos de Oslo, nos quais se comprometeram a não fazer nada sem o consenso de ambos os lados. O próprio Abu Mazen (como é também chamado o atual presidente da AP, Mahmud Abbas) nunca declarou o Estado independente, porque sabe que isso iria atrapalhar o processo de paz. Mas ele ligou ao presidente Lula para pedir que o fizesse - isso me parece um pouco absurdo. A única maneira de se chegar a um acordo é por meio de negociações.
Essa decisão, no fim do mandato de Lula, mancha o histórico das relações entre Brasil e Israel neste governo?
Nós não temos que concordar em tudo. Durante os oito anos de governo Lula, tivemos um progresso muito importante das relações bilaterais, especificamente durante os quatro últimos anos. Assinamos, por exemplo, o acordo de livre-comércio entre Mercosul e Israel e, entre os países do Mercosul, o Brasil é para nós o mais importante. Mais de 50% das nossas exportações para a América Latina vão para o Brasil. Assinamos outros acordos e também tivemos visitas históricas: a primeira de um presidente brasileiro a Israel, e a primeira de um presidente de Israel ao Brasil depois de 30 anos. O último presidente que tinha vindo ao Brasil foi Zalman Shazar, nos anos 1960. E não só os presidentes visitaram os dois países, mas também os dois chanceleres, sendo que Celso Amorim foi a Israel várias vezes. Isso mostra o interesse que o Brasil tem em Israel e nas relações bilaterais, e também o interesse do Brasil no Oriente Médio, em apoiar o processo de paz.
Mas a relação do governo Lula com o mundo árabe, no campo político, sempre foi mais próxima. O senhor acredita que essa linha será seguida pelo governo Dilma? E a decisão do reconhecimento palestino compromete a relação com Israel daqui para frente?
Não espero que isso atrapalhe, porque temos boas relações bilaterais em todos os campos: econômico, cultural, científico. Vamos continuar dialogando com o Brasil, e esperamos continuar próximos por meio de visitas de alto nível. Não acredito que a diplomacia brasileira vis à vis o mundo árabe e os palestinos vai mudar de uma maneira significativa. Isso dependerá também do interesse da presidente Dilma em assuntos internacionais. O presidente Lula foi muito ativo na arena internacional, em viagens, em fazer contatos com outros líderes. Mas não acredito que isso vá mudar as linhas básicas da política exterior brasileira. É preciso dizer, porém, que as divergências entre Israel e Brasil em assuntos do conflito no Oriente Médio, do assunto palestino, nada têm a ver com as relações bilaterais. E temos que continuar a dialogar com o governo Dilma sobre assuntos internacionais, saber melhor a posição do Brasil também em assuntos sul-americanos. Para nós, por exemplo, é importante saber a análise brasileira sobre a Venezuela, que lamentavelmente rompeu as relações com Israel, assim como, para o Brasil, é importante saber a nossa análise sobre a situação no Oriente Médio.

O que o senhor espera ver avançar no governo Dilma em relação a Israel?
Espero que possamos cooperar ainda mais com o novo governo e estamos dispostos a explorar todo tipo de cooperação possível entre Brasil e Israel. Não acreditamos que, com Dilma como presidente, vamos ter problemas que não tínhamos com o governo Lula. Ao contrário, estamos em contato com o Itamaraty, que já mostrou grande interesse em melhorar as relações bilaterais daqui para frente. Isso não significa que não vamos ter outros pontos de vista sobre assuntos da política internacional, do conflito no Oriente Médio. Brasil e Israel não têm a mesma política internacional, mas isso não significa que não possamos dialogar. Mantemos um diálogo anual entre Itamaraty e o nosso Ministério das Relações Exteriores e, em um encontro de alto nível no mês de outubro em Brasília, as duas delegações mostraram grande interesse em melhorar as relações bilaterais. Está planejada para 2011 a visita a Brasília do primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que, lamentavelmente, tivemos que adiar em outubro passado, por conta da situação na nossa região. Mas vamos começar os contatos com a equipe da presidente eleita e o Itamaraty para ver quando essa visita poderá ocorrer. Creio que entre março e abril.
Durante o governo Lula, o comércio entre os dois países quase quadruplicou, chegando a US$ 1,6 bilhões em 2008. Desse valor, três quartos são representados pela exportação israelense. Que campos o Brasil pode explorar em Israel para equilibrar essa balança?
É verdade que a balança comercial entre Brasil e Israel não está equilibrada, são mais exportações de Israel, mas estamos seguros de que há potenciais maiores para exportações do Brasil. Para isso, no entanto, o governo brasileiro e o setor privado têm de fazer um trabalho muito sério para explorar as possibilidades em Israel. Nosso país importa do Brasil produtos de alimentação, mas estou seguro que temos possibilidades de aumentar essa exportação de alimentos - carne, frutas. Com o acordo de livre-comércio, parece que há também lugar para aumentar as exportações industriais do Brasil a Israel, mas isso depende da indústria brasileira e do impulso do governo do Brasil. É preciso enviar delegações comerciais a Israel, aumentar o número de encontros. Isso já está ocorrendo agora, e espero que, nos próximos anos, tenhamos um comércio mais equilibrado.
Em que outros campos a relação pode avançar?
Temos uma lista muito grande de acordos que foram assinados nas áreas de agricultura, turismo, segurança pública e até de produção cinematográfica. Temos um acordo bastante importante de cooperação em pesquisa científica industrial, para avaliar em que temas específicos as indústrias israelenses e brasileiras podem cooperar. Mas assinar é muito fácil, temos que fazer um esforço a mais para dar conteúdo a esses acordos, para ver que estão realmente em vigência, que estão dando frutos. E isso depende dos dois governos. Eu posso dizer que há grande interesse de empresários israelenses em explorar possibilidades de cooperação no Brasil, assim como do lado brasileiro. O ministro do Turismo do Brasil visitou Israel em outubro para também tratar de como aumentar o turismo de Israel para o seu país. Desde maio de 2009, já temos um voo direto entre São Paulo e Israel três vezes por semana, e queremos aumentar para quatro vezes. Os voos estão sempre lotados.

O governo brasileiro chegou a procurar Israel em busca de parcerias para a Copa do Mundo e as Olimpíadas do Rio?
O Brasil está muito interessado na tecnologia de Israel, em nossa experiência em assuntos como segurança pública. No mês passado, uma delegação de mais de 70 brasileiros visitou Israel para um seminário internacional de segurança pública de uma semana. O interesse é, em grande parte, por causa dos dois grandes eventos esportivos que serão realizados aqui em 2014 e em 2016. Estamos falando com o governo, mas também com o setor privado, a indústria e as diversas forças da polícia brasileira, que também têm interesse em parcerias.

Em outubro do ano passado, o Brasil comprou 15 veículos aéreos não tripulados (VANTs) de Israel. Durante a campanha, Dilma defendeu que a fronteira brasileira seja vigiada com esses veículos. O Brasil oferece boas oportunidades para a indústria israelense de Defesa?
O Brasil é um país amigo, com quem temos boas relações e estamos dispostos a cooperar. Israel não produz aviões, caças, mas a nossa indústria é muito conhecida dentro das melhores empresas do mundo em seus produtos de alta tecnologia, que vão dentro dos aviões. Estamos em contato, mas é mais em nível de empresas, e não de governo. No meu entendimento, o Brasil não está interessado só em comprar, mas em obter a tecnologia e produzir aqui com tecnologia de todo mundo: da França, dos Estados Unidos, da Inglaterra e de Israel. Estamos dispostos a dar tecnologia, cooperar.

O Brasil ainda pode ajudar no processo de paz?
Acreditamos que o Brasil pode ajudar, mas não por meio de uma mediação direta entre israelenses e palestinos. Realmente não precisamos de mediação, e sim de negociação direta entre os dois lados. Temos também uma ajuda muito importante por parte dos Estados Unidos e não acredito que o governo brasileiro pense em ocupar o lugar dos EUA. Mas o Brasil pode apoiar as forças moderadas dentro do mundo árabe e do lado palestino para fazer seguir as negociações diretas com Israel. Esse é um papel muito importante, porque o Brasil tem boas relações com Israel, mas também com o mundo árabe.

Israel espera que, com Dilma, o governo brasileiro mude sua posição em relação ao Irã?
Nossa esperança é que o Brasil ajude mais países do mundo a pressionar o Irã a deixar o seu programa nuclear militar. Esse é o assunto mais importante para nós. Não temos um conflito real com o Irã. O único conflito é que o Irã quer um armamento nuclear e está declarando abertamente que Israel é seu inimigo. Isso é uma ameaça real, concreta a Israel. Esperamos que o Brasil ajude nesse esforço internacional liderado por EUA, União Europeia, e também a Rússia e a China, na última rodada de sanções na ONU. Sempre se pode fazer mais.
Entrevista realizada por Isabel Fleck e publicada no jornal Correio Braziliense






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