sábado, 18 de fevereiro de 2012

Krav Maga: a arte israelense de defesa pessoal cresce pelo Brasil

Talvez nunca antes na história as lutas, de um modo geral, tiveram tanta repercussão como atualmente. Impulsionada sobretudo pelo fenômeno da globalização, elas viraram mais que uma arte e um esporte. Transformaram-se num negócio bastante lucrativo, que tem no Ultimate Fighting Championship (UFC) a principal referência, sua maior marca e modelo de como a filosofia oriental se transformou em sinônimo de dinheiro e entretenimento.

Somada às já conhecidas lutas antigas, agregaram-se novas, como o Jiu-Jitsu brasileiro, adaptado do japonês, tradicional, e o Krav Maga, uma forma nova e impressionante de filosofia.

Criado com o intuito de oferecer uma técnica de defesa pessoal para um cidadão qualquer, essa luta de origem israelense vem conquistando cada vez mais adeptos ao redor do mundo e, sobretudo, no Brasil (já são mais de 40 mil pessoas praticando). 

Com mais de 20 anos no país, o Krav foi criado durante a Segunda Guerra Mundial pelo húngaro Imi Lichtenfeld, um judeu ativo na luta contra o horror nazista, para atender a necessidade de sobreviver, independente de tamanho ou força física. Em pouco tempo, se tornou a filosofia de defesa das forças armadas israelenses, considerada uma das melhores do planeta, e se espalhou pelo mundo, chegando às potências militares EUA, Inglaterra e França, e depois ao mundo civil, a fim de ensinar pessoas comuns a se defenderem da violência do dia-a-dia.

Foto: Reprodução de internet
Sabendo desse latente crescimento, oSRZD fez uma entrevista exclusiva com o mestre israelense Kobi Lichtenstein, o responsável pela disseminação do esporte no Brasil, e aprendiz direto de Lichtenfeld, o criador. Em sua carreira como professor da arte (que ele faz questão de frisar que não é marcial e sim de defesa pessoal), já treinou diversas forças militares brasileiras, como o Bope, tido como a melhor polícia urbana do mundo, além das Forças Armadas do Brasil.

Veja a entrevista:

O começo no Brasil

"Eu cheguei em 18 de janeiro de 1990. Comecei a dar aula no início de março do mesmo ano".

Por que a América do Sul?

"Motivo nenhum. Na verdade eu estava aqui de passagem, a passeio, e aconteceram duas coisas: eu vi como as pessoas vivem reféns na mão da violência: têm medo de sair na rua, de usar um tênis novo, de andar com joias, com roupa de grifes. Então eu falei: ‘com Krav Maga eu consigo mudar essa realidade’.  A segunda foi que conheci uma mulher. Depois, eu voltei para Israel e aí eu falei com o criador e meu mestre, Imi Lichtenfeld, sobre essa ideia e ele deu para mim o maior apoio; me ensinou tudo que eu precisava; outra cultura, outro canto do mundo. Ensinar defesa pessoal em um país que o pensamento, a cultura, a realidade de vida é totalmente diferente".

Crescimento do Krav Maga

"Tem crescido devagar. A gente gostaria que fosse mais rápido. Mas a coisa mais importante que temos é a qualidade de ensino. Ensinamos defesa pessoal. Na rua não há leis, não tem juízes, assim como nos ringues: quem cai primeiro não levanta e temos visto isso nos noticiários".  

Ensino

"Ensinar defesa pessoal é um assunto muito complicado, sensível. Por isso a gente zela pela qualidade de ensino dos nossos instrutores. A verdade é que hoje no Brasil temos um problema chamado ‘pirataria’. O Krav Maga ficou conhecido; tem gente por aí que nunca fez a luta e pega uma faixa, põe na sua academia dizendo que ensina isso e dá para os alunos um curso de uma semana e eles viram instrutores. É o caso de eles serem ‘compradores de diploma’. Qual o caráter que eles têm para educar as próximas gerações? Virou um negócio: educação, formação e a vida do ser humano. Esse é o maior problema: os ‘piratas’. Se você for assistir a uma aula aqui, no Peru, na Argentina é absolutamente igual".

No que difere para outras artes marciais

"É diferente em tudo. O Krav Maga é a única técnica conhecida mundialmente como arte de defesa pessoal e não como arte marcial. A primeira coisa diferente é a posição de partida do aluno: não ficamos estudando o adversário para saber quando virá o golpe que nocauteará você. Não. Todas as nossas aulas são situadas em cima de situações, simulações. Trabalhamos em cima de fatos consumados: tem uma agressão física, como eu reajo? Quem faz Krav Maga a gente ensina a como ficar mais relaxado, calmo, paciente, controlado, avaliando a situação, tendo visão periférica. Não foi criado para sair batendo nos outros. Isso qualquer idiota pode fazer. Nossa arte foi feita para quando você não tiver opção e não tem muito o que fazer quando alguém vem agredir você. Na verdade, desde o início se muda a postura, o comportamento, o que te ajuda a evitar certas situações. O crime procura as pessoas mais fracas: crianças, mulheres grávidas, idosos. Se você muda sua postura, não é mais fraco e os bandidos não vem mais atrás de ti".

Desenvolvimento de um sexto sentido

"Bom, o chamado sexto sentido é você perceber quando as coisas vão acontecer antes de elas acontecerem. É a percepção. É saber quando haverá um problema. Sentir que algo vai dar errado e contorná-lo. Começa pela visão periférica, aprender a detectar movimentos que normalmente o cidadão comum não vê; estudar a linguagem corporal de quem está na sua frente. O corpo fala! A função de um instrutor é única: ensinar-te a você voltar para casa inteiro, vivo. Não pense que fazer Krav Maga é você virar o Rambo. Você vai ganhar muito mais autoconfiança, você vai ter mais flexibilidade e coordenação; equilíbrio.  Ensinar a pessoa a evoluir por dentro são resultados que acontecem, mas nosso único desejo é a preservação da vida".

Krav Maga e Exército israelense

"É a única técnica usada em todas as forças armadas do Estado de Israel. Dentro do serviço militar, das polícias, do Serviço Secreto (Mossad), todos treinam as técnicas do Krav Maga. É o modo mais avançado e eficiente do mundo moderno. Foi criado para o homem do mundo moderno, contra a violência do mundo moderno. A habilidade do Krav Maga faz de você homem de verdade. Essa questão do exército israelense ser o melhor deve-se ao fato de que eles encaram diferente, ou seja, têm outra capacidade de enxergar a realidade. Você elimina a necessidade de uso da força. Assim a gente iguala as pessoas, damos eficiência. As Forças de Defesa do Estado Israelense, acompanhando a filosofia existente, chegam a esse nível. Não precisa força para fazer, contornar qualquer situação".

Número de instrutores aptos no Brasil

"Hoje temos em torno de 150 instrutores aptos, 130 estão dando aula. E, lá pelo meio do ano, mais 35, 38 pessoas novas aptas. Vamos chegar na beira dos 200".

Quantidade de golpes

"Infinita. Porque a gente tem resposta para qualquer tipo de agressão. Isso tudo, e não só uma resposta, temos várias e várias: simples, rápidas e objetivas para qualquer tipo de agressão.  Para cada tipo de violência que for recebida, existe de seis a dez golpes para que cada pessoa, na ‘hora da verdade’, escolha a que saia mais natural, mais fácil naquela situação. Para que você tenha escolha. É como comprar um carro: você seleciona o que é melhor".

UFC

"Acho que isso nos devolveu a dois mil anos atrás, à época dos gladiadores de Roma. Os dois saíam na ‘porrada’ lá embaixo e todo mundo ao redor empolgado. Eu não estou falando que é certo ou errado, não tem problema nenhum. O UFC, por exemplo, tem muito mais pessoas que adoram ver essas lutas que os próprios lutadores. Para os atletas, isso virou negócio; para o público, virou diversão, como nos Tempos Antigos. Então, eu não tenho nada contra a competição, mas não faz o meu estilo. Se as pessoas gostam, o problema é delas. Os lutadores são profissionais, muito bons por sinal: rápidos, fortes. Porém virou um negócio, uma diversão, como o Big Brother. Virou moda, as pessoas gostam disso".

Formação de instrutores

"Leva cinco anos mais um curso de 400 horas de especialização para ser instrutor. Não é para receber uma graduação; você pode ser faixa preta e não ser instrutor.  Para entrar no curso de professor, há provas de entrada; provas técnicas e físicas para mostrar competência, e provas psicotécnicas para mostrar que aquela pessoa é adequada para ser líder, educadora. No meu curso, por exemplo, meu mestre me falou: ‘antes de qualquer coisa, vocês são educadores. A função de vocês é fazer boas pessoas’. É necessidade ter perfil, capacidade para ser instrutor".

Aulas de Anatomia, Fisiologia, Primeiros Socorros

"Não pode acontecer que alguém que fala sobre o corpo humano, ensina como atingi-lo, não saiba o que acontece quando atinge algum alvo nele. Ainda existem pessoas que acham que o coração está do lado esquerdo; que o baço está do lado direito. Às vezes você ouve mestres de técnicas marciais falarem algumas coisas que você não sabe de onde vêm. Você tem que conhecer o corpo".

Treinos com Forças Militares

"Tive a honra de treinar a segurança da presidência da República (do então presidente, à época, Lula). Treinamos o famoso Bope, forças especiais do Exército, Marinha, Aeronáutica, inúmeros batalhões, a Polícia Federal para os Jogos Pan-Americanos. Preparamos delegados da Polícia Civil, a Guarda Municipal de vários estados do Brasil. Basicamente: a maior parte das unidades passaram pela gente, além de empresas privadas, a nível de segurança de autoridades".

Como se dá o treinamento de agentes de Segurança Pública

"É específico. Não é igual à academia, em que você vai duas vezes por semana; são cursos intensivos direcionados pela necessidade do trabalho, pelos instrumentos que ele usa, o inimigo que ele enfrenta: o Bope enfrenta bandidos armados na favela, enquanto policiais de esquina têm outro tipo de inimigo. São outros ambientes, outros equipamentos. O ramo da segurança é dividido em 23 módulos, em que cada um deles tem uma programação e outro nível de treinamento: outra agressividade, outra mentalidade. Você não pode treinar todo mundo igual!"

Foto: Divulgação/Site Oficial Krav Maga




Como o Krav Maga modela o caráter de uma pessoa

"Em todos os aspectos. Na hora que você conhece a sua capacidade, se ganha autoconfiança. Quando você conquista essa característica, já há um comportamento diferente: alguém confiante se comporta distintamente de alguém que não é confiante. Começa pela nossa disciplina, bastante rigorosa. Exigimos dos nossos alunos padrões de comportamento: não se vê unhas grandes, de mecânico, toda suja. Para os homens, barba bem feita, não a de um terrorista, que deixa uma semana; usar desodorante. Não é permitido o uso de palavrões; também é proibido um atleta de Krav ficar bêbado; beber não tem problema, mas quando você vê que começa a ficar alegre demais, tem que cortar. Drogas... nem pensar! Essas regras não fui eu que inventei; são as regras da sociedade. Esse rigor muda o caráter de uma pessoa".

Há competição na modalidade?

"Não. Não tem como ter torneios de Krav Maga. Trabalhamos atingindo somente os pontos mais sensíveis, vitais do corpo do agressor. Elimina-se o uso de força bruta. Na hora de uma competição coloca-se o que pode e o que não pode; no Krav Maga se pode tudo".

Filosofia de faixas, assim como nas artes marciais
"Adotamos isso das faixas das artes marciais. A nossa é igual ao Judô antigo. Isso apenas por um motivo pedagógico: o aluno vai sentir que ele está evoluindo. Começa-se sem faixa, depois vem a faixa amarela, laranja, verde, azul, marrom e preta".

Foto: Hélio Rodrigues

O mestre ainda deixou uma mensagem final a quem pensa em fazer alguma luta. "É muito importante que as pessoas façam alguma coisa para sua própria defesa. A gente muitas vezes coloca a culpa no poder público, mas ele é limitado: não tem como botar policial em qualquer lugar, a todo tempo. Talvez eles tenham até culpa também, mas o que eu posso fazer pela minha segurança? Nesse processo de autodefesa devemos aprimorar sobretudo nossa autoconfiança, habilidade. Claro que eu gostaria de ver todo mundo fazendo Krav Maga, mas ninguém pode obrigar ninguém a nada".

FONTE:SRZD

Um comentário:

  1. Tenho o privilégio de ser treinado por esse homem, que mudou a minha maneira de ver a violência.

    Muito obrigado Mestre Kobi

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