Caio Blinder
Cercado de Judaísmo
Três milhões de judeus fazem de Nova York e adjacências um mundo a parte. Quem mora lá convive com judaísmo o tempo todo.Até nas escola públicas, onde se aprende tudo sobre festas judaicas.
Caio Blinder é jornalista, Judeu Brasileiro e mora em Nova York.
Já são tantos anos nos Estados Unidos e eu ainda não me acostumei com o cerco. É diferente de nossa experiência no Brasil. Aí nosso mundo é muito pequeno. Não estamos cercados de judaísmo. Na verdade estamos enclausurados. Isto acontece até quando abandonamos a vida de gueto, seja no Bom Retiro ou Higienópolis ou deixamos de freqüentar a Hebraica.
Num país tão pobre como o Brasil, a chance de darmos trombadas em judeus é imensa. Falo das coisas mais simples. Nas férias vamos para Guarujá ou Campos de Jordão. Lá estão nossos patrícios. Temos poder aquisitivo e o privilégio de outros poucos brasileiros de desfrutar do melhor. O mesmo vale para escola e trabalho. Temos a melhor educação e o acesso aos melhores empregos. No final das contas, a existência de judeus no topo é desproporcional aos nossos números absolutos. Quantos somos no Brasil? 150 mil? 200 mil? E no entanto, em toda a minha vida de jornalista, sempre trabalhei com muitos judeus nas redações.
Imaginem, então, nos Estados Unidos. São seis milhões de judeus em uma população total de 260 milhões. Ainda é uma minoria pequena em relação, por exemplo, aos negros, que são 30 milhões. Mas nosso peso é impressionante. Se formos nos restringir a Nova York, ficamos de queixo caído. Na cidade e suas redondezas somos três milhões. Em algumas partes da metrópole, os outros são finalmente minoria.
Moro em Nova York há quatro anos e até hoje fico fascinado com o caminho de casa para Manhattan. Antes de pegar a via expressa, passo por quatro sinagogas, duas escolas e três creches judaicas. Ah, claro, quase ia me esquecendo de duas deliscasher. Na via expressa, quando fico na cola de alguma perua meio arrebentada, lotada de crianças, já sei que o motorista é um judeu ortodoxo com habilidades automotivas muito heterodoxas.
E quem já esteve fazendo turismo em Nova York, já deve ter percebido a cena dos ortodoxos chegando ao trabalho no distrito das jóias, na rua 47. Os chapéus pretos descem dos ônibus escolares fumando como chaminé e conversando de forma meio conspirativa. Ninguém presta atenção, exceto os turistas de iowa e do exterior.
Eu já perdi a conta do número de dentistas em Nova York que se chamam Gold ou Goldberg. Quando entro em prédio comercial adoro fuçar as placas daquelas firmas de advocacia de nome quilométrico. Sempre haverá um Fischer ou um Cohen. Psiquiatra, então, esta fora do concurso.
Eu confesso que no domingo uma de minhas primeiras leituras é a coluna social. Sem exagero, acho que metade dos casamentos anunciados no "New York Times" são de judeus. Aliás, judeus estão entre os leitores preferencias do grande jornal. É a única razão para explicar reportagens bizarras. Em abril, por exemplo, li como os judeus do Alaska se preparavam para o Pessach. Com tanto peixe lá no fim do mundo, eles fazem questão de importar o guefilte fish do Brooklyn velho de guerra.
Vou muito a uma banca de jornais na terceira Avenida com rua 44. Quando chego, o paquistanês já sabe que sou freguês de jornal judeu. A dúvida dele é se vou levar o "Jewish Week", o "Press", o "Herald" ou o "Lorward". Querem mais? Na rua, de graça, é distribuído o "Sentinel". Estes são em inglês. Temos ainda as opções em hebraico, ídiche e agora em russo.
São tantos judeus na região metropolitana de Nova York que as escolas publicas acabam ensinando tudo sobre as festas judaicas e respeitam os nossos feriados. Minha filha diz que as coleguinhas acham judaísmo o máximo. Com tanto feriado para faturar, não dá para ter anti-semitismo na escola.
Enviado por Leon M. Mayer
Fonte: Caderno Cultural Na' Amad- julho/98
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