sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

"ISAAC" - ITZHAK, O SEGUNDO PATRIARCA



A sua história é marcada por milagres e júbilo, lágrimas e triunfo.
Itzhak, filho de Abrahão e Sara, é o segundo e o mais enigmático dos patriarcas judeus

Seu nome significa, em hebraico, “ele rirá”, e segundo os místicos, o nome revela a essência de uma pessoa. Mas em seu caso, ao menos nominalmente, não há nada que sugira riso ou alegria. Muito pelo contrário, ele é mais lembrado pela Akeidá, impropriamente traduzida como “o sacrifício de Itzhak”, já que ele, em última instância, não foi sacrificado.
De acordo com a Cabalá, o patriarca Itzhak personificava o atributo Divino da guevurá – intensa justiça, auto-controle e disciplina. Ele dificilmente se encaixa na descrição de um homem cujo nome signifique “riso”. Teriam seus pais escolhido para ele o nome errado? Não. Itzhak não teve seu nome dado por seus pais, mas por D’us, Ele mesmo, em toda a Sua grandeza.
Dos três patriarcas, ele é o menos mencionado na Torá. Parece ironia, pois inúmeras obras foram escritas sobre sua pessoa. Ao longo de mais de dois milê-nios, a Akeidá tem intrigado e assombrado eruditos e leigos, judeus e não judeus.

Nossos sábios nos ensinam que as vidas dos patriarcas prenunciavam os acontecimentos que iriam ocorrer a seus descendentes. O que quer que lhes tocasse vivenciar, tocaria ao povo judeu em dias futuros. Por conseguinte, a Torá descreve episódios específicos da vida dos patriarcas com o intuito de nos ensinar lições, tanto como indivíduos quanto como nação. 

Um nascimento milagroso

Sua vida iniciou-se com um verdadeiro milagre. Seu pai, Abrahão, o primeiro patriarca do povo judeu, personificava o atributo Divino de chessed – amor, bondade e generosidade. Foi um grande profeta de D’us, enquanto Sara, sua mulher, como nos contam nossos sábios, ultrapassou os poderes proféticos do marido. Durante toda a sua vida, o casal foi posto à prova pelo Criador, tendo sempre prevalecido a obediência e o temor a Ele. Em troca, foram abençoados por D’us – espiritual e materialmente – com uma única exceção, no entanto: Sara não conseguia engravidar. Para dar a seu marido uma descendência, ela lhe oferece Hagar, sua serva egípcia, a quem o Midrash identifica como sendo filha de um faraó egípcio. Abrahão estava com 86 anos quando Hagar dá a luz a seu primeiro filho, Ishmael. 

Mas Sara não poderia deixar este mundo sem ter tido filhos. Treze anos após o nascimento de Ishmael, D’us promete a Abrahão que sua mulher, já com 90 anos, iria conceber e dar à luz uma criança. O Eterno até atribui o nome ao filho do casal, ainda por nascer: “É certo que Sara, tua mulher, dará á luz um filho, e chamarás seu nome Itzhak”. Um ano mais tarde, quando Abrahão tinha 100 anos de idade, Sara dá à luz a Itzhak. Trata-se claramente de um milagre o fato de uma mulher de idade tão avançada conceber. Com estas palavras, Sara celebra o milagre: “Preparou-me D’us riso e alegria, e todo aquele que isto ouvir se alegrará e se rirá comigo” – uma afirmação que se casa perfeitamente com o nome hebraico de seu filho.
Quando Itzhak nasceu, encheu-se de júbilo a casa de Abrahão. Para comemorar o nascimento do filho, o primeiro patriarca judeu ofereceu um suntuoso banquete e inúmeras festas abertas a todo o povo. Acorreram convidados de todas as partes, inclusive os homens mais importantes de então. E entre estes, contava-se, disfarçado, um visitante inesperado: o acusador dos homens, inimigo da humanidade, o anjo da morte e da destruição. Sim, o próprio Satã. 

A Akeidá

Conta o Midrash que, após voltar das comemorações, Satã passa a difamar Abrahão perante D’us. Descreve o banquete e as festividades em grande detalhe, plantando a semente da intriga: “Sabes que Teu servo fiel, Abrahão, esqueceu-se de Ti... ao buscar somente sua alegria olvidou-se de Ti, Aquele que o abençoou com um filho...sim, de fato alimentou seus convivas, mas negligenciou ao não Te oferecer sequer um animal em sacrifício, como um modesto sinal de sua gratidão”. D’us não se deixa convencer. Jamais houvera ou haveria um homem que amasse tanto D’us quanto Abrahão. “Erras ao suspeitar dele, responde o Criador a Satã. “Tivesse Eu algo a lhe pedir e ele Me daria tudo o que é seu – até mesmo seu filho”. E, ao ouvir isto, Satã desafia o Senhor do Universo: “Testa-o, se tão certo estás disso”.

A prova veio muitos anos mais tarde, quando Itzhak era um homem de 37 anos. Encontramos este relato assombroso na Torá: “...E foi depois destas palavras que D’us experimentou a Abrahão. E disse-lhe, ‘Toma, rogo, teu filho, teu único filho, a quem amas – Itzhak, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali como oferenda de elevação, sobre um monte que te indicarei” (Gênese 22:1-2).
 Abrahão madruga, no dia seguinte, e inicia a jornada, levando consigo dois moços e seu filho, Itzhak. Viajam por três dias. Explica o Midrash a razão para ter tardado tanto a caminhada – para que não se dissesse que pai e filho tinham agido num estado de estupor com o mandamento Divino, sem ao menos raciocinar. Pelo contrário, estavam plenamente cônscios do que faziam; não estavam cegamente cumprindo uma ordem de D’us.
Entretanto, Satã percebe que sua armação se virara contra ele. Sabia que Abrahão e Itzhak passa-riam, incólumes, pelo teste e, em conseqüência disto, seus descendentes seriam abençoados para todo o sempre. Um dia, num futuro distante, seus descendentes fariam acontecer uma era em que seus poderes de morte e destruição seriam vencidos, e ele, Satã, deixaria de existir.
Assim sendo, o anjo do mal novamente entra em ação, tentando, desta vez, interromper o evento que ele mesmo instigara. Começa por Abrahão, tentando convencê-lo a poupar Itzhak, desobedecendo ao mandamento Divino. Mas, apesar das provocações e zombarias, o velho Abrahão não titubeia. Ao falhar com o pai, passa Satã para o filho. Revela-nos o Midrash que ele se disfarça, perante Itzhak, como um garoto: “Onde vais?” pergunta. “Estudar a Torá”, responde o filho de Abrahão. “Agora ou depois de tua morte?”, pergunta-lhe. “Que pergunta tola. Não sabes, porventura, que a Torá só é dada aos vivos?”, responde-lhe Itzhak. É quando Satã, finalmente, deixa-se desmascarar: “Pobre filho de uma pobre coitada. Durante anos a fio ela orou por ti, e agora teu pai, tendo perdido a razão, está prestes a te matar!” 
Itzhak volta-se, então, a seu pai: “Cá estão o fogo e a madeira, mas e o carneiro para a oferenda?” Abrahão retruca: “D’us irá prover, Ele mesmo, o carneiro para o sacrifício, meu filho”. E o filho percebe, finalmente, o que está para acontecer. O Midrash revela que em vez de se desesperar, Itzhak passa a confortar o pai: “Não sofras, pai. Cumpre, por meu intermédio, o desejo de Teu Criador. Que meu sangue sirva de expiação para teus futuros descendentes”.
Pai e filho seguem seu caminho. Um para executar, o outro para ser executado, mas ambos igualmente decididos a cumprir a ordem Divina.
Finalmente, na manhã de seu terceiro dia de viagem, chegam ao Monte Moriá, descrito no Midrash como uma esplendorosa montanha sob uma nuvem de fogo. Os dois homens que os tinham acompanhado ficam para trás, enquanto pai e filho iniciam a subida rumo ao sacrifício. Juntos, recolhem os gravetos e juntos os dispõem sobre a pedra que serviria de altar. Abrahão ata seu filho e o coloca sobre os gravetos, no altar. Itzhak pede ao pai que o amarre com força, para que o sacrifício transcorra da maneira correta. Abrahão toma da cintura o facão para sacrificar seu filho. E então, quando já parecia certa a morte de Itzhak, um anjo de D’us chama, dos céus, “Abrahão! Abrahão!…Não estendas tua mão contra o rapaz nem faças nada contra ele, pois agora sei que és um homem temente a D’us, já que não poupaste teu filho, teu único filho, de Mim”. Abrahão ergue seus olhos, e vê um carneiro preso pelos chifres num galho da árvore, e “Abrahão tomou o carneiro e o ofereceu como sacrifício em lugar de seu filho”.
Foram escritos inúmeros comentários sobre a Akeidá. Por que teria D’us posto à prova os dois homens a quem Ele mais amava? O Midrash nos dá uma resposta: D’us testa apenas os fortes, não os fracos; como a cerâmica, a fraca quebra quando atirada ao solo, enquanto a de alta resistência permanece intacta. Outra explicação: D’us, que é Onisciente, conhece de antemão o resultado e, portanto, o propósito de uma provação é permitir que o homem descubra suas forças mais intrínsecas. D’us testa os fortes para que, mais tarde, Ele os possa recompensar. E, de fato, Abrahão e Itzhak foram recompensados para todo o sempre. Após a Akeidá, enquanto ambos estão ainda no Monte Moriá, o anjo lhes aparece pela segunda vez e anuncia: “Por Mim, jurei, disse o Eterno! Porque fizeste esta coisa, e não Me negaste teu filho, teu único filho, Eu te abençoarei, e multiplicarei tua semente, como as estrelas dos céus, e como a areia que está à beira-mar; e... E, em tua semente, se abençoarão todas as nações da terra; porque tu ouviste a Minha voz”. 
Por que teria um anjo – e não D’us, Ele pró- prio – revogado o decreto? O Midrash oferece uma bonita explicação para isto: somente D’us pode decretar uma morte, mas basta um anjo para salvar uma vida humana. 
Muitas lições podem ser tiradas da Akeidá. Destaca-se particularmente uma: um homem pode ficar passivo diante de um decreto quando este diz respeito apenas a ele próprio, não quando se trata de outros. A Torá conta que antes ainda de Itzhak nascer, D’us aparece a Abrahão informando-lhe que Ele estava prestes a destruir as cidades da perdição, Sodoma e Gomorra. Abrahão implora ao Criador que Este poupe a cidade se nelas houver, ao menos, dez homens justos. Abrahão ousa mesmo questionar a Justiça Divina nesse decreto. No entanto, anos mais tarde, quando D’us ordena que Abrahão sacrifique seu próprio filho, ele atende, sem sequer e jamais questionar o mandamento Divino. O primeiro patriarca dos judeus ensinou-nos que nunca devemos permanecer passivos diante do sofrimento de outrem, ainda que tal sofrimento tenha sido decretado por D’us. A pessoa pode mesmo aceitar seus próprios infortúnios, enfrentando, em silêncio, o horror de uma Akeidá, confiando em D’us que aquilo certamente será para o seu bem – gamzú le-tová. Mas nunca poderá o indivíduo ousar fazer o mesmo quando se tratar da desgraça e do sofrimento alheios.
No que toca a Itzhak, vemo-lo exibir semelhante comportamento ao de seu pai. Ao perceber que estava para ser sacrificado, expressa preocupação por seus pais, não por si próprio. Ouçamos, novamente, o que nos tem a dizer o Midrash: “Pai, o que farão, você e minha mãe, quando eu tiver partido?” “Aquele que nos consolou até agora continuará a nos consolar”, responde-lhe Abrahão. E, mais tarde, Itzhak pede a seu pai que tenha cuidado especial ao levar a notícia de sua morte à Sara: “Pai, ao contar à minha mãe, certifique-se que ela não esteja perto de um poço, nem no telhado, pois do choque poderá cair e se ferir”.
Ainda mais reveladora é a reação de Itzhak após a Akeidá: o silêncio. Nem um suspiro de alívio, nem uma palavra de graças por ter sido poupado. O segundo patriarca judeu, que personificava o atributo Divino da guevurá, tinha alcançado o absoluto auto-controle e disciplina no atendimento a D’us. A ele não importava se viveria ou morreria, se seria ou não sacrificado, desde que estivesse atendendo a vontade do Criador. Qualquer sentimento de horror ou desespero que ele possa ter sentido, referia-se a seus pais e a seu povo. Ele sabia que a vida dos patriarcas é um sinal para seus filhos e, portanto, sua história assombrosa seria reencenada e revivida por vários de seus descendentes. Muitos outros de nosso povo foram, de fato, levados ao extermínio, optando pela morte e por não trair a seu D’us e a sua fé, mas diferentemente de Itzhak, estes outros não foram poupados.

“Ele rirá”

O tema da Akeidat Itzhak é central em nossas orações de Rosh Hashaná. O trecho da leitura da Torá no segundo dia da festa é justamente este. O Talmud nos ensina que D’us considera que nosso antepassado Itzhak realmente foi sacrificado e que seus restos mortais foram queimados no altar erguido por seu pai no Monte Moriá. E conta que a razão para isso seria que o Eterno considera uma intenção sincera e honesta como equivalente a uma ação. Em Rosh Hashaná, período em que D’us julga cada um de nós, invocamos os méritos de Itzhak como fonte de bênção e proteção para nós, seus descendentes. Esta é uma das razões pelas quais tocamos o shofar em Rosh Hashaná. O shofar, feito do chifre de um carneiro, remete-nos à Akeidá, quando um animal foi sacrificado em lugar de Itzhak.
O Templo Sagrado de Jerusalém foi erguido no Monte Moriá, no local exato em que se realizou a Akeidá. Esta foi mais uma das dádivas de D’us a Itzhak e a seus descendentes. O Templo era o centro da espiritualidade, de onde as preces seguramente alcançavam o Firmamento. Era, então, muito apropriado que o Templo fosse erguido no local em que Itzhak fora levado e poupado do sacrifício, pois a Akeidá é uma reafirmação de que D’us valoriza a vida e a misericórdia, e não a morte, mesmo se esta for em Seu Nome Sagrado. 
Voltemos, pois, à nossa pergunta inicial: por que teria o segundo patriarca do povo judeu recebido o nome de “aquele que rirá”? Pelo fato de que ele veio a este mundo para nos ensinar que mesmo tendo sobrevivido a um evento traumático, o propósito da vida é continuar vivendo e amando, rejubilando-se e agradecendo a D’us e, acima de tudo, compartilhando todo esse amor e esse júbilo com nossos semelhantes. Seguindo-se aos acontecimentos da Akeidá, Itzhak casa-se com uma mulher linda e bondosa, chamada Rivka – Rebeca – a quem ele muito amou. Ele instituiu o serviço de minchá, a reza do entardecer. Ele também trabalhou muito, sempre cumprindo com a obrigação do dízimo de seus rendimentos aos pobres, à viúva e ao órfão, sendo, em troca, abençoado por D’us, tornando-se extremamente rico. O homem que simbolizava o auto-controle soube ensinar a generosidade e as virtudes da riqueza. Itzhak e Rivka tiveram um casal de gêmeos. Um destes, Yaacov, terceiro e último dos patriarcas do povo judeu, foi o mais justo dentre todos os seres humanos na face da Terra.
E, por isso, Itzhak recebeu o nome de “ele rirá”. Pois ele, como muitos de seus descendentes, simboliza o sobrevivente que foi abençoado e prosperou.

FONTE:

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

ABRAÃO, NOSSO PATRIARCA

Abraão e os três anjos, Golden Haggadah


Nossos sábios ensinam:

“Cinco bens de Seu mundo, adotou especialmente para Si o Eterno, abençoado seja Ele.

São esses:

a Torá, o céu e a terra, Abraão, Israel e o Santuário Sagrado”
(Ética dos Pais 6:10).


A longa jornada do povo de Israel se inicia com Abraão, o primeiro patriarca. Primeiro monoteísta da história, Abraão rebelou-se contra a idolatria reinante, foi também o primeiro a proclamar que D’us é Um e Único e que o mundo tem um único Senhor do Universo. Sem ter tido “ninguém para ensinar-lhe”, Abraão abandonou todos os ensinamentos e tradições de seus pais e a terra onde vivia para seguir a Voz que o levava a D’us. Segundo o Midrash, ele era chamado de Avraham, ha-Ivri, Abraão, o Ivri, que significava “o que passou para o outro lado”. Pois Abraão enfrentou o mundo sozinho: ele, o monoteísta, de um lado; o resto do mundo, politeísta e idólatra, do outro.




Abraão foi o primeiro judeu. Com ele e através dele D’us selou uma aliança sagrada e perpétua com o povo de Israel, assegurando-lhe que seus descendentes seriam numerosos como as “estrelas do céu“ e herdariam a Terra Sagrada. Nosso primeiro patriarca ensinou a Verdade à sua família e a todos ao seu redor, mas, principalmente, a seu filho Isaac, que a transmitiu a Jacó e este, a seus filhos, que deram origem às doze tribos. Assim, a herança de Abraão passou de pai para filho em uma corrente espiritual que atravessa os séculos. O legado de Abraão é sinônimo de fidelidade, lealdade, bondade, fé e coragem, pois sua fé em um Único Criador, Justo e Bom, exigia do homem integridade absoluta – em relação a D’us e aos outros homens. Seus atos moldaram e inspiram a Nação Judaica, que se refere a ele como Avraham Avinu, nosso pai, Abraão.



A vida do primeiro patriarca é narrada no primeiro livro da Torá, Bereshit (Gênese). O texto e os estudos adicionais no Talmud, no Midrash e nos livros da Cabala revelam ainda mais sobre a vida de Abraão, as lutas, as vitórias e os desafios que teve que enfrentar ao longo do caminho que o levou a D’us. Os eventos da vida do patriarca prenunciam a história do Povo de Israel, pois, como ensinam os nossos sábios: “Os atos e episódios ocorridos durante a vida dos patriarcas são um sinal para os seus descendentes”.



O que sabemos sobre Abraão, o nosso patriarca? Quais as virtudes que possuía para ter sido escolhido por D’us como o fundador da Nação Judaica?


Abraão: um homem em busca da verdade


O Abraão revelado pela Torá não é retratado como um sábio imerso em contemplações metafísicas ou um visionário. Era um homem à procura da Verdade, dotado de uma mente independente, um coração generoso, uma alma fervorosa e uma coragem indomável. Apesar de ter adquirido, ainda jovem, uma consciência intuitiva sobre a existência de um Único Criador – de acordo com o Midrash, a partir dos três anos de idade – sua primeira experiência profética só ocorreu aos 75. Somente após anos de persistente busca pela Realidade Absoluta, D’us se revelou a ele pela primeira vez, e o instruiu.


Nossa tradição lhe confere inúmeros talentos e virtudes: sabedoria de um justo, bondade lendária, poderes e riquezas de um rei e força e coragem de um grande guerreiro. Sua figura imponente, porte real e clareza de idéias impressionavam a todos a seu redor, assim como sua eloqüência em espalhar a Verdade.


Segundo os livros, Abraão era conhecido em seu meio como um sábio místico que acreditava na existência de uma Única Divindade – um D’us misterioso do qual recebia instruções. Seus contemporâneos diziam que anjos sussurravam em seu ouvido e que ele usava tanto seus poderes místicos quanto sua sabedoria prática para ajudar os outros.


Profundo conhecedor de segredos místicos, estudara na Academia de Shem e Eiver, em Jerusalém, na época denominada Shalem. Foi lá que aprendeu a tradição sobre a Criação do mundo que Noé aprendera de seu pai – e transmitira a seus filhos, em especial a Shem.


Primeiro a compreender os segredos da Criação do mundo, Abraão registrou seus ensinamentos e observações no primeiro texto místico da humanidade – o “Livro da Criação”, Sefer Yetsirá. A obra é, até hoje, considerada a mais importante fonte sobre os segredos da Criação do Universo. Nela está revelado que D’us criou o mundo por meio das 22 letras do alfabeto hebraico e de 10 emanações divinas chamadas de sefirot.


Abraão, o primeiro monoteísta

O nome original do primeiro patriarca era Abrão (Avram), até D’us mudá-lo para Abraão (Avraham), que quer dizer “pai de muitas nações”. De fato, somos proibidos de chamá-lo de Abrão, seu nome de nascimento.

Abraão nasceu por volta do final do segundo milênio antes da era comum (a.E.C.) na cidade de Ur Casdin, na Mesopotâmia, região localizada no Crescente Fértil, berço da civilização ocidental. Na época em que Abraão nasceu, o politeísmo – a crença em várias divindades – reinava supremo no mundo. Segundo a Torá, seu pai, Terach, apesar de descender de Noé e de Shem, servia a “deuses estranhos”. Considerado o principal idólatra da região, mantinha uma loja onde vendia estátuas e representações de divindades. Mas o filho de Terach não sucumbiu às práticas de seu pai.

Segundo as nossas tradições, Abraão descobriu a existência de um Único D’us observando o sol e a lua, que se alternam no céu, e a natureza a sua volta. Sua intuição aliada a sua mente sagaz, fizeram-no concluir que devia haver um Ser Supremo que governava todo o universo e estabelecera e geria as leis da Natureza. Só um Ser Supremo e Perfeito poderia ter criado algo tão perfeito. Sua percepção estava de acordo com os ensinamentos que havia adquirido na Academia de Shem, em Jerusalém.

Abraão passou a tentar convencer seu pai Terach e a população de sua região sobre a falsidade do politeísmo. Mas suas atitudes, seus questionamentos e sua eloqüência em transmitir a Verdade que descobrira, de que há um Único D’us, Senhor do Universo, chocavam-se com todos ao seu redor. O rei de Ur, Nimrod, sentiu-se particularmente ameaçado e insultado, pois ele mesmo queria ser considerado um deus. Furioso com as atitudes de Abraão, o rei condenou-o a uma fornalha ardente. “Se seu D’us realmente existe, Ele que o salve”, declarou o rei Nimrod a Abraão.

Abraão foi salvo por D’us e emergiu do fogo da fornalha sem a menor queimadura. Foi um dos dez testes aos quais Abraão foi submetido durante sua vida. Um teste de fé no Todo-Poderoso, do qual Abraão emergiu triunfante como em todos os demais que enfrentou.

“Lech Lechá”

Somente aos 75 anos, após décadas de absoluta e total devoção, o Eterno Se revelou a Abraão pela primeira vez, apresentando-Se com o chamado Divino “Lech Lechá” – “Sai da tua terra, da tua pátria e da casa do teu pai para a terra que Eu te mostrarei” (Gênese 12). As palavras Lech Lechá literalmente significam “Vai por ti mesmo”.

No momento em que D’us se revelou pela primeira vez, Abraão já havia realizado feitos sem precedentes. Descobrira a verdade do D’us Único, desafiara o rei mais poderoso da época e também sacerdotes, sobrevivera à fornalha ardente e convertera milhares à fé monoteísta. Tudo isso conseguiu por si mesmo. Não tinha um mestre nem uma tradição para guiá-lo, nem uma voz celestial para dirigi-lo. Nada além de seu intelecto e de sua incansável busca pela Verdade Absoluta.

Mesmo assim, quando finalmente obteve a revelação Divina, ele recebeu a ordem de “Vai por ti mesmo: deixa de lado teus talentos (“tua terra”), tua personalidade enraizada em teu meio ambiente (“teu local de nascimento”) e tua sabedoria fenomenal (“da casa de teu pai), e segue D’us até “a terra que Eu te mostrarei”. D’us ordena a Abraão abandonar todas as influências externas para segui-Lo. A partir do momento em que D’us revelou a Abrãao Seu caráter único, Abrãao passa a cumprir Suas instruções e a seguir Suas ordens, que o levariam mais próximo de D’us e de Sua Verdade.

E então prometeu o Todo-Poderoso: “E farei de ti uma grande nação. Eu te abençoarei e engrandecerei teu nome. Tu serás uma bênção. Eu abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem” (Gênese 12:1).

As promessas Divinas

Após obedecer a Ordem Divina, Abraão seguiu em direção a Canaã com sua esposa Sarai, seu sobrinho Lot e todos aqueles a quem tinha convertido à nova fé. Uma vez em Canaã, D’us lhe revelou Sua Vontade e fez uma série de promessas a Abraão, selando com ele pactos que iriam ligar para sempre o povo de Israel a D’us. Promete a Abraão que seus descendentes herdarão a terra. “Eu darei esta terra a teus descendentes” (Gênese 12:1), repete D’us em várias ocasiões.

Mas Abraão não tinha filhos e, sendo um grande astrólogo, sabia que só a Vontade Divina poderia fazer com que tanto seu destino e como o de Sarai, sua esposa, fossem revertidos para que, assim, pudessem conceber um filho. Se não tivesse um filho, a quem poderia transmitir sua herança espiritual? – perguntou Abraão ao Eterno. Quem iria propagar a fé entre todos os povos? D’us assegurou-lhe que iria ter filhos e prometeu multiplicar a descendência de Abraão, dizendo que seria tão numerosa quanto “as estrelas do céu”.

Mas Abraão, temeroso pelo futuro de seus descendentes, pediu uma prova tangível de que a Terra Sagrada lhes pertenceria. D’us então lhe mostrou o futuro de seus descendentes – as provações que teriam que enfrentar, os sucessivos impérios que se levanta-riam contra eles. Ressaltou, no entanto, que Israel sobreviveria a todos os perigos e os venceria. Foi esta a promessa do Eterno. Como a promessa de D’us é irrevogável, a Terra Sagrada caberá, em última instância, a Israel, mesmo se este – por não cumprir a Vontade Divina – a perder por algum tempo.




A promessa do Todo-Poderoso de que Abraão seria uma bênção e geraria bênçãos implicava também que receberia Sua proteção. Portanto, o Eterno é o Escudo de Abraão, Magen Avraham, e, como seus descendentes, pedimos a D’us, todos os dias, em nossas orações, que também seja nosso Escudo.






A Aliança Eterna entre D’us e o povo de Israel







Quando Abraão tinha 99 anos, D’us Se revelou novamente para selar com o patriarca, através do brit milá, Sua Aliança Eterna com o povo de Israel. Diz o Eterno a Abraão: “Eu sou D’us, Todo-Poderoso, anda diante de Minha presença e sê perfeito” (Gênese 17). “Até agora não foste perfeito diante de Mim”, disse D’us a Abraão, mas ”circuncida-te, então andarás diante de Mim (à vista dos homens) e serás perfeito“. E o Eterno ordenou: “E vós sereis circuncidados na carne de vosso prepúcio. E será o símbolo de uma aliança entre Mim e vós...” (Gênese, 17:11). “E vós mantereis Minha aliança, vós e todos os vossos descendentes, por todas as gerações” (Gênese, 17:9-12).







Tão forte é a ligação que existe entre Abraão e a circuncisão que, ao ser realizada, incluímos na berachá pronunciada no ato a frase “Abençoado és Tu, Senhor, nosso D’us, Rei do Universo, que nos santificaste com os Seus Mandamentos e nos ordenaste introduzi-lo na Aliança de Abraão, nosso patriarca”.












Até então o nome de nosso patriarca era Abrão (Avram), que significa av Aram – “pai de Aram”, sua terra natal, mas a partir desse momento D’us lhe dá um novo nome, Abraão – (Avraham), contração de duas palavras – av hamon, que significa “pai de uma multidão”. A mudança de nome indica seu novo status, “perfeito” perante D’us e pai de uma multidão de nações que seriam fundadas por ele. Tão significativa foi esta mudança que somos determinantemente proibidos de chamá-lo pelo seu nome anterior. D’us também mudou o nome de sua esposa, nossa primeira matriarca. Sarai, que significava “minha princesa”, foi mudado para Sarah – “princesa para todas as nações do mundo”. 









Foi nessa ocasião em que mudaram seus nomes, que D’us revelou-lhes o futuro nascimento do filho tão desejado – Isaac, nosso segundo patriarca. 









Principais características: fé e amor







Abraão, ensina o Talmud, era bom com os Céus e com os homens. Nos textos místicos, é a personificação do atributo de chesed – bondade – a emanação divina (sefirá) da benevolência, generosidade e amor infinito. As duas características principais da personalidade do patriarca eram guemilut chassadim e emuná: atos de bondade e fé em D’us.







Abraão servia a D’us principalmente através do amor que se manifestava tanto em sua devoção a Ele como através de um contínuo e incessante amor por seus semelhantes. Exemplo supremo do homem bondoso e justo, Abraão estava sempre preocupado com o bem-estar dos outros, respeitando e amando todos os seres, cercando-os de atos de bondade e generosidade. Abraão mantinha o seu lar sempre aberto a todos, sem perguntar quem eram ou por que o visitavam. Oferecia a todos – anjos ou mendigos – abrigo e alimento. Em troca, só pedia que seus hóspedes agradecessem a D’us, o verdadeiro Provedor de tudo no mundo. A Torá afirma que D’us escolheu Abraão porque ele seria capaz de ensinar seus filhos a praticar a caridade e a justiça (Gênese 18:19).







Abraão também possuía um senso imenso de responsabilidade com as pessoas ao seu redor. Apesar de todas as dificuldades e obstáculos que enfrentou durante sua vida nunca questionou o Criador; sua fé em D’us era absoluta. Mas, mesmo assim, não hesitou em contestar e até enfrentar o Eterno para salvar alguém do sofrimento e da morte. Relata a Torá que ao ser informado por D’us de que a destruição de Sodoma e Gomorra era iminente, Abraão implorou pela vida de seus habitantes, apesar de saber que eram malvados e cruéis. O Talmud, então, afirma que “qualquer um que tenha compaixão pelas pessoas, certamente descende de Abraão, nosso patriarca”.







E o Eterno testou Abraão







O amor e a fé de Abraão em D’us permaneceram inalterados e inabaláveis durante toda a vida de nosso patriarca, apesar dos testes e obstáculos que teve que enfrentar. Para testar a sua devoção, D’us submeteu Abraão a dez testes. Entre estes, o patriarca enfrentou o fogo, a fome e reis idólatras, lutou contra poderosos exércitos e foi obrigado a abandonar o seu lar e a sua terra. No seu último e mais difícil desafio, o único que a Torá relata, Abraão prova estar disposto até a sacrificar o seu tão amado filho, Isaac, para obedecer a ordem Divina. Nenhum relato da Torá foi – e ainda é – mais analisado e comentado por sábios e filósofos do que o sacrifício de Isaac.







A Torá nos diz: “Após esses eventos, D’us testou Abraão” (Gênese 22:1). O Eterno ordenou ao patriarca que tomasse o seu filho Isaac, dizendo: “Vai para a área de Moriá. Traze-o como um holocausto...” (Gênese 22:2).







A Torá relata os acontecimentos: a viagem do pai com o filho, os preparativos e o fatídico instante quando Abraão estende a mão e toma a faca para cortar a garganta de seu filho único e um anjo de D’us o chama: “Abraão! Abraão!” “Eis-me aqui”, responde o patriarca.










E então o anjo de D’us lhe revela que tudo fora um teste, o último e mais difícil de sua vida: “Não faças mal ao menino. Pois agora sei que temes a D’us. Tu não Lhe recusaste teu único filho” (Gênese 22: 11-12). O anjo de D’us transmite ao patriarca a promessa Divina: “Eu jurei por Minha própria Essência que, por teres realizado tal ato e não me teres recusado teu único filho, Eu te abençoarei bastante e aumentarei tua semente como as estrelas do céu. Todas as nações do mundo serão abençoadas através dos teus descendentes – tudo porque tu obedeceste a Minha voz” (Gênese 22:15-18).











Todos as manhãs, lemos esta porção da Torá em um relato que precede as nossas orações, quando pedimos que sejam realizadas as bênçãos prometidas pelo Eterno a Abraão. É importante lembrar que em Moriá – no exato lugar onde Abraão preparou seu filho para o sacrificar – foi construído o Beit Hamikdash, o Grande Templo de Jerusalém. O Templo era o núcleo da Presença Divina na Terra e o local de onde todas as rezas subiam aos Céus. Foi uma das recompensas de D’us pela devoção de Abraão.











De fato, não poderia haver provação mais difícil para Abraão do que o sacrifício de Isaac. Abraão havia ensinado ao mundo que a vida é uma sagrada dádiva divina e que D’us odeia os sacrifícios humanos. O assassinato, mesmo a mando do Divino, representava a antítese da bondade de Abraão. E mais ainda, D’us havia prometido a Abraão que sua recompensa seria grande: seu filho Isaac seria pai de uma grande nação que disseminaria e perpetuaria seus ensinamentos.











O sacrifício de Isaac representava o oposto de tudo aquilo que Abraão ensinou, praticou e sonhou em sua vida. Apesar disso, o homem que desafiou D’us para salvar os povos malévolos de Sodoma e Gomorra, calou-se e preparou-se para cumprir a mais difícil ordem Divina. Por tudo isto, a Torá nos relata que o Todo-Poderoso encontrou em Abraão lealdade e devoção absolutas: “Tu és o Eterno, o D’us que escolheu Abraão, e Tu encontraste seu coração fiel” (Neemias 9:7).











Com Abraão e através dele se iniciou a história do povo judeu, uma nação eterna que influenciou toda a humanidade. Em nossas orações diárias, chamamos o Criador de “D’us de Abraão, D’us de Isaac e D’us de Jacó”. Pedimos proteção, bondade e misericórdia Divina pelo mérito dos nossos patriarcas. Pois antes de Abraão, ensinam os nossos sábios, “D’us reinava nos Céus. Foi Abraão quem O trouxe para a Terra.”












Bibliografia:








Rabbi Elie Munk, Sefer Bereishis. The Call of the Torah, an anthology of interpretation and commentary of the Five Books of Moses. Mesorah Publications.










Rabino Aryeh Kaplan. A Torá Viva. Ed. Maayanot










Irving M. Bunim. A Ética do Sinai, ensinamentos dos sábios do Talmud. Editora Sefer












Rabbi Avigdor Miller. Behold a People, a didactic history of scriptural times. Balshon Printing and Offsets Co.










Paul Johnson. A História dos Judeus. Ed. Imago

FONTE: