quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Longa Vida Para os Livros

Rabino Chefe da Inglaterra, Professor Jonathan Sacks
 
Certa vez, quando David Blunkett era Secretário de Estado para a Educação, ele mencionou que estava dedicando o ano escolar vindouro a uma campanha pela educação. Perguntou-me se eu teria algum ditado judaico sobre instrução. Respondi que o início do ano acadêmico quase sempre coincide com as Grandes Festas Judaicas, o Ano Novo e o Dia da Expiação. Durante toda aquela época rezamos a D'us para que “nos inscreva no Livro da Vida”. Quando os judeus pensam em vida, pensam num livro. Para nós, ler é viver.

Então fui surpreendido com o forte apelo de Caitlin Moran feito em agosto daquele ano para que as bibliotecas locais fossem poupadas do programa de corte de gastos do governo. “Bibliotecas”, disse ela, são “catedrais da mente; hospitais da alma; parques temáticos da imaginação. Numa ilha fria, chuvosa, são os únicos espaços públicos abrigados onde você não é um consumidor, mas sim um cidadão. Um ser humano com cérebro e coração, com desejo de ser elevado, em vez de um consumidor com um cartão de crédito.”

Desde o início, o Judaísmo se tornou uma religião na qual a educação era o ato fundamental. Ensina teus filhos, diz Moshê muitas e muitas vezes.
Que frase linda e verdadeira. É impossível exagerar até que ponto os judeus são – a frase vem do Alcorão – um “povo do livro”. Tenho argumentado que o Judaísmo tomou a forma que tem por causa de uma das maiores revoluções na tecnologia da informação, a invenção do alfabeto em oposição aos sistemas baseados em sinais da escrita cuneiforme mesopotâmica e dos hieróglifos egípcios.

Para entender aqueles sistemas a pessoa tinha de memorizar centenas de símbolos, o que significa que apenas uma minoria podia fazê-lo. O resultado foram as elites literatas e as sociedades hierárquicas. O primeiro alfabeto, Proto-Semítico, que apareceu no Deserto do Sinai há 38 séculos, tinha pouco mais de vinte símbolos. Pela primeira vez nascia a possibilidade de uma sociedade de instrução universal. Isso foi o que Isaiah quis dizer quando declarou: “Todos os seus filhos serão instruídos sobre o Eterno e grande será a paz de seus filhos.”

Desde o início, o Judaísmo se tornou uma religião na qual a educação era o ato fundamental. Ensina teus filhos, diz Moshê muitas e muitas vezes. “Ensina-os”, diz nossa prece mais sagrada, o Shemá, “quando estiveres sentado em casa ou viajando numa jornada, quando te deitares e quando te levantares.” O Talmud considera o estudo como um ato religioso ainda mais elevado que a prece.

O objeto mais sagrado no Judaísmo é um livro, o Rolo da Torá. A reverência que prestamos a ele é impressionante. Ficamos em sua presença como se fosse um rei, dançamos com ele como se fosse uma noiva, e se, D'us não o permita, for profanado ou danificado sem chance de recuperação, nós o enterramos como se fosse um parente falecido.

De alguma forma essa reverência se transferiu para os livros em geral. Descartes disse “Penso, logo existo.” Os judeus dizem: “Aprendo, portanto eu sou.” Essa reverência pelo estudo continuou com os judeus por mais que tenham se tornado afastados da religião.

Há muitos tipos de pobreza que devemos tentar eliminar, mas o empobrecimento intelectual talvez não seja o mais profundo e debilitante de todas as pobrezas.
Sergey Brin, co-fundador do Google, certa vez disse que vinha “de uma daquelas famílias de judeus russos que esperavam que até o encanador tivesse um Ph.D.”

Então eu repito a descrição de Caitlin Moran sobre os livros como portões – “cada livro que se abre era tão empolgante quando Alice colocando seu anel de ouro na porta.” Um livro notável é uma jornada que amplia a vida da mente. É uma ideia que jamais devemos perder. As bibliotecas são um elemento essencial de uma boa sociedade. Elas democratizam o conhecimento, dando-nos igual acesso ao legado da humanidade. Há muitos tipos de pobreza que devemos tentar eliminar, mas me pergunto se o empobrecimento intelectual talvez não seja o mais profundo e debilitante de todas as pobrezas.

John Donne escreve que “Toda a humanidade é de um autor, e é um volume.” Ele relacionou isto com a morte: “Quando um homem morre, um capítulo não é arrancado do livro, mas traduzido num idioma melhor.” No Judaísmo, preferimos pensar sobre a vida. Cada um de nós é uma letra no livro de D'us. Como uma letra, não temos um significado por nós mesmos, mas juntados a outros em famílias, comunidades e nações, formamos sentenças de parágrafos e nos tornamos parte da história de D'us.

Isaac Bashevis Singer disse certa vez: “D'us é um escrior e nós somos seus co-autores.”

Que jamais venhamos a perder nosso amor pelos livros e pela vida.

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