domingo, 11 de dezembro de 2011

Eternidade judaica – um avô, um netinho, uma festinha

Israel Blajberg
Vovô chegou bem cedo para a festinha na escola, sexta de manha véspera do Shabat, tomando assento na ultima fila. Mal podia ver o palco, tantas eram as mamães e papais na sua frente, empenhadas em obter os melhores ângulos para inesquecíveis momentos fotográficos. De repente uma brechinha na multidão permite avistar o netinho ao longe no fundo do salão, com as professoras. O menino sorri, parece ter reconhecido o vovô, embora ainda tenha apenas pouco mais de um aninho. Com efeito, já havia murmurado algo parecido com vovô... Quanto custou chegar ate este dia... desde os idos de 1900 e poucos, quando outros meninos como este foram levado pela mão da vovó, para iniciar seus estudos com o Rebe no Heder, a escola judaica da época. Mais uns anos e aqueles meninos chegariam ao Brasil. Se lhes dissessem, não acreditariam. Sua existência neste Vale de Lágrimas seria plena de lutas, sofrimentos, alegrias, mas coroada de realizações. E hoje, ali estão aquelas criancinhas, terceira e quartas gerações dos imigrantes que aqui chegaram, não desejando que jamais lhes atirassem despudoradamente a pecha secular... “Jude”... “Zsiyd”... nunca mais iriam ouvir isso, nesta Terra Abençoada. Vovô já antecipava há dias as alegrias da festinha. Aos poucos seus olhos vão se semi-cerrando, sob a algazarra das crianças e os acordes do piano tocado pela “morá”, transformando-se em ruído branco cada vez mais distante. Um sonho se materializa em sua mente. Parece ver-se ele mesmo em outra festinha assim, de avental branco, cercado por outras crianças. Reconhece algumas, uns se tornaram grandes médicos, engenheiros, outros não tiveram tanta sorte. Para alguns a vida sorriu, para outros o destino foi cruel. Lamentavelmente dois amiguinhos iriam se perder na floresta, outro acidentado em um desastre. Muitos já não estão mais aqui, mas todos invariavelmente honraram a nova pátria, que acolheu seus pais e avós, tornando-se bons brasileiros, cidadãos úteis a sociedade.
O sonho e muito vívido, parece estar de verdade outra vez na antiga escola do subúrbio, israelita-brasileira, dedicada a famoso escritor judeu. A figura do Lerer aparece, risonha. Como gostava dos alunos... era um verdadeiro Janusz Korczak, em sua infinita dedicação. E as professoras, já senhoras de idade, certa vez uma delas tomou em sua própria boca a mao machucada de uma criança, como uma leoa que lambe a sua cria. Antigos mestres, renascem nas preciosas “morot” de hoje, verdadeiras heroínas bíblicas. No sonho o Lerer toca violino, tirando das cordas do instrumento sons alegres de tradicional musica judaica. Apenas uns 10 anos haviam transcorrido do final da guerra, e do inominável Holocausto. Mas era preciso prosseguir. Das sombras do passado emergiria uma nova geração, realizando a promessa de D’us no sonho de Jacob.
A festinha vai acabando, a musica aumenta. O sonho parecia tão real... O avô admira embevecido o netinho, parece ver nele um pouco dos antepassados que certamente estão lá no alto, nos Ganei Éden, apreciando tudo. Estarão mesmo ???? Nessas horas, quando a música judaica das festas infantis chega lá em cima, o Todo Poderoso autoriza almas escolhidas a retornarem por alguns momentos. Apenas os mais sensitivos conseguem divisar seus vultos furtivos, confundindo-se entre os presentes. Vieram também assistir a festinha. Não foram convidados mas ali estão, vestindo roupas de outras épocas; em meio aos jovens papais e mamães se misturam, um momento atrás não estavam ali, de repente se materializam, contemplando as criancinhas. A festinha vai terminando... muitos sorrisos, o contentamento de todos, a vibração eletrizando o éter, fazendo sonhar outra vez as almas. Não fica bem para um avô chorar, mas furtivamente ele enxuga uma lágrima. Ah se pudesse ficar... mas seu tempo se esgotou. Foram apenas alguns instantes concedidos ao vovô pelo Grande Arquiteto do Universo, nesta manhã tão especial. Por um último momento antes de retornar admira orgulhoso seus próprios filhos, netos, bisnetos, que permanecem seguindo seu exemplo, mantendo para sempre a Eternidade de Israel.


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