PRIMEIRO PERÍODO:
A grande Assembléia e os soferimSanhedrin, 21B.
SEGUNDO PERÍODO:
A destruição do Segundo Templo1ª | 70 - | 80 | R. Iohanan ben Zacai | ||||
2ª | 80 - | 105 | Gamliel II, Eliezer ben Hircanos e Josué ben Hananiá | ||||
3ª | 105 - | 135 | R. Aquivá | ||||
4ª | 135 - | 170 | R. Meir | ||||
5ª | 170 - | 220 | R. Judá ha-Nassí |
Centra-se ela no todo, indubitavelmente, na figura de Raban Iohanan ben Zacai.
Iohanan ben Zacai era membro do desaparecido Sanedrin e sempre se havia destacado como pacifista - era um discípulo espiritual de Hilel - aconselhando chegar-se a uma paz com Roma. Sitiado em Jerusalém e vendo a rebelião encaminhada a um fracasso, logrou, mediante um estratagema, ser tirado da cidade santa(*) e levado à presença de Vespasiano - bem disposto em relação a ele porque, segundo se conta, lhe havia predito que chegaria a imperador - pediu-lhe uma coisa aparentemente inócua: permissão para fundar uma escola. Esta coisa tão "insignificante", esta escola, significou a salvação do Judaísmo.
(*) Assim narra-o uma obra da época talmúdica não incluída no Talmud, o tratado Avot D'Rabi Natan, capítulo IV.
Quando, afinal, Jerusalém caiu em mãos romanas, Iohanan ben Zacai chorou amargamente, como o havia feito anteriormente o profeta Jeremias pela sua perda; porém, da mesma forma que Zerubavel, dedicou suas energias para erguer um novo Templo. O novo Templo foi a Academia de Iavné.À Academia de Iavné, que celebrava suas sessões num semi-círculo natural formado por um vinhedo, compareciam unicamente os discípulos, diretos ou indiretos, de Hilel, uma vez que os shamaítas, que durante a guerra contra Roma haviam aderido ao partido extremista dos zelotes, ou haviam perecido ou bem se ocultavam pelo medo ao vencedor, só mais tarde apareceram de novo no campo das lutas religiosas e políticas.Iohanan ben Zacai aferrou-se à última coisa que havia restado do patrimônio espiritual: a Tradição; e como opinava que "o homem havia sido criado para estudar a Lei", a isso dedicou todas as suas energias. Para muitos judeus a autoridade do Sanedrin baseava-se em que suas celebrações se realizavam em Jerusalém; R. Iohanan reorganizou-o, fixando sua sede em Iavné. Por outro lado, acreditava-se que a existência do Judaísmo estava vinculada à instituição dos sacrifícios, dificuldade que ele contornou declarando que "a caridade e o amor dos homens podem substituí-los". Com isso salvou o Judaísmo.A unidade criada na escola de Iavné em torno à poderosa personalidade de R. Iohanan desfaz-se ante sua morte e, pouco a pouco, vão se fundando novas escolas, todas na Judéia, como, por exemplo, as de Emaus (Cuimzo), Lida (Diascópolis), Pequíin, etc.
Como chefe da escola de Iavné, sucedeu a Iohanan ben Zacai, Raban Gamliel II. Era descendente de Hilel e, tal como seus antecessores, que haviam estado durante quatro gerações à frente do Sanedrin, tomou o título de Nassí ("Patriarca") que lhe conferia uma autoridade política. A partir dele, esse título permaneceu vinculado à sua família e considerado com dignidade.
Além de ser muito versado em questões religiosas, Gamliel II tinha bons conhecimentos das ciências profanas, o que aumentava ainda mais a sua autoridade; porém de caráter enérgico, até mesmo violento, teve uma acre discussão com os dois maiores sábios de sua época: R. Eliezer ben Hircanos e R. Josué ben Hananiá, em conseqüência do que foi deposto de sua dignidade de Nassí, embora mais tarde voltasse a compartí-la com Eleazar ben Azariá, que o havia substituído ante a sua destituição.Ao caráter decidido e ousado, inovador, de Gamliel II, contrapunha-se "o inflexível guardião da tradição" Eliezer ben Hircanos, ao qual seu mestre, R. Iohanan, havia comparado a uma "cisterna" que não deixava escapar nem uma gota da tradição recebida (mas que tampouco permitia a entrada de qualquer inovação). Entre ambos ocupava uma posição equilibrada, representando o sentido comum e a moderação, Josué ben Hananiá, chamado R. Josué por antonomasia, dócil, modesto e benevolente, que ganhava o seu sustento fabricando agulhas.Personagem destacada desta geração, para citar apenas uma, foi Naun de Guimzo, sábio sem "Título" e autor de um método dedutivo levado às suas últimas conseqüências por R. Aquivá.Esta terceira geração foi testemunha ocular de um acontecimento histórico de grande importância: a rebelião de Bar-Cochba, em cujo desenvolvimento e êxito efêmero teve parte ativa R. Aquivá ben José, o mais ilustre dos tanaím dessa geração.
R. Aquivá era um simples pastor que chegou a casar-se com a filha de seu patrão. Sua esposa animou-o a dedicar-se ao estudo da Lei, a progredir, quase a formar sua cultura; e após longos anos obteve um grande grupo de discípulos. Quando surgiu Bar-Cochba, tentando reavivar o abatido ânimo dos judeus e pregando a expulsão do invasor romano, R. Aquivá aderiu imediatamente a ele, convertendo-se em seu principal propagandista, em que pesassem as advertências de precaução de seus colegas, sobretudo de R. Ismael ben Elishá. Pai espiritual da revolta, o fracasso do empreendimento trouxe como conseqüência o fim de R. Aquivá, o qual, acusado de ensinar a Lei, morreu esfolado vivo, proclamando a unidade de D'us.
Além de sua intervenção nessa revolta, R. Aquivá cooperou ativamente no desenvolvimento e formação da Mishná, da qual, dada a dificuldade de recordar todo o seu conteúdo, fez uma redação para uso privativo, embora aceita pelos seus discípulos - compilação conhecida por Mishná de R. Aquivá e que foi utilizada nas redações posteriores.R. Aquivá era dotado de um espírito metódico e sintético e utilizava um método muito pessoal. Não obstante houvesse estudado em várias Academias, pode-se dizer que sobre ele somente exerceu influência Naum de Guimzo, de quem tomou uma idéia que converteu em método próprio: Na Lei nada há de supérfluo, nem sequer uma letra; cada sinal ou traço significa algo que deve ser deduzido(*). Isto é o que nos referem autores posteriores; porém, ao que parece, ele se propunha a achar o fundamento de todas as leis na Torá, o que o obrigou a forçar as interpretações, a miúdo rechaçadas por seus colegas. (*) Este método, ainda mais exagerado, conduziria à Cabala, o que explica que se atribuísse a R. Aquivá a redação do Sefer Ietsirá, um dos livros básicos da Cabala. O critério foi seguido por Aquilas, autor de uma versão literal da Bíblia para o grego, e por Onquelos (que alguns autores identificam com Aquilas), autor do Targum, isto é, "Tradução" do texto sagrado para o aramaico.Também exerceram magistério outros doutores de sua geração, entre os quais deve-se destacar R. Ismael ben Elishá, grande dialético, que aumentou até 13 as 7 regras dedutivas de Hilel, que, apesar disso, não diminuiram a autoridade de que gozou o método de seu rival, ao qual R. Ismael se opunha sustentando que a Lei se expressa na linguagem dos homens, que há frases que nada acrescentam ao sentido e que só servem como ornamento. Outros doutores contemporâneos são: R. Tarfon e R. José ha-galili.Após o desastre de 135, a perseguição desencadeada por Adriano trouxe como conseqüência a clausura das escolas da Judéia. Ante o temor de que, como resultado da execução dos principais sábios, ficasse rôta a cadeia da tradição, R. Judá ben Baba apressou-se a ordenar, mediante a imposição de seus pares, aos sete discípulos de R. Aquivá que ainda viviam. Como castigo, os soldados romanos o alancearam.
Essa ordenação teve lugar na Galiléia, onde a partir de então estiveram radicadas todas as escolas, em geral próximo ao lago Tiberíades (Quinéret). O Sanedrin, anteriormente estabelecido em Iavné, iniciou sua peregrinação, estabelecendo-se primeiramente em Usha e a seguir em outras localidades galilaicas.
Passado o perigo, os sete discípulos de R. Aquivá voltaram da Babilônia, onde se haviam refugiado. O principal deles era R. Meir. Como todos os tanaím, tinha uma ocupação secular: era amanuense e suas cópias eram muito apreciadas por seus contemporâneos(*). Meir casou-se com Beruriá, que era filha de R. Hananiá ben Teradion, um sábio da geração anterior. (*) Tenha-se presente que o rôlo de pergaminho - "Meguilá" - que contém o texto sagrado do Pentateuco, não pode sofrer nenhum erro ou correção.R. Meir não quis reconciliar-se com o patriarca Simão II ben Gamliel II, com o qual havia sustentado uma violenta discussão; porém, apesar disso, gozou de grande prestígio. Destacava-se no campo da fábula, que sempre foi tão importante no Oriente; mas embora sobressaísse tanto como fabulista, sua fama procede do seu trabalho no terreno da Tradição: deve-se a ele outra redação da Mishná, oral e para uso privativo, coordenada por matérias, que serviu de base para a redação da Mishná canônica.Outros doutores destacados são: R. Simão ben Iohai(*), R. Iosé ben Halafta e R. Judá ben Ilái, os três pertencentes ao grupo dos sete discípulos de R. Aquivá ordenados por R. Judá ben Baba. (*)A reclusão de 12 anos deu margem a que na Idade Média se lhe atribuísse a redação do Zohar.Figura singular é Elishá ben Abuiá, um grande amigo de R. Meir, que - provavelmente por influência do agnosticismo - abandonou o Judaísmo, pelo que é conhecido como Aher, que em hebraico significa "outro".Com esta última geração chegamos à elaboração definitiva da tradição que se vinha formando desde séculos de ininterrupto labor.
À semelhança da 1ª geração, encarnada em Raban Iohanan ben Zacai, seu personagem central, foi Rabi Judá ha-Nassí, chamado rabenu ha-cadosh, ou seja "nosso santo mestre", conhecido além disso como R. Judá o Santo e como Rabi por antonomasia. Havia seguido os cursos das diferentes escolas da época e conhecia bem as tendências existentes (ele mesmo disse: "aprendi muito de meus mestres, mais ainda de meus colegas e muitíssimo mais de meus discípulos) graças ao que pôde realizar uma grande coletânea, que haveria de ser definitiva. Mas ao seu indiscutível prestígio religioso, fruto de um estudo prolongado ao qual podia dedicar-se plenamente por possuir vultosos meios de fortuna, unia-se uma autoridade política indiscutível, pois ostentava o título de Nassí. Em razão dessa combinação de fatores, realizou em suas escolas de Bet Shearim e Séforis uma obra que ficou definitivamente consagrada, pois a Mishná por ele sistematizada, partindo da redação de seus antecessores, passou a ser a Mishná canônica, a Mishná por excelência, que fez esquecer e desaparecer as anteriores, das quais só permanecem os restos que figuram na sua versão. Durante sua longa vida (135 a 219 aproximadamente), levou ao término duas redações: uma em sua juventude e a segunda, recensão da anterior, nos últimos anos de sua vida.
A redação de R. Judá ha-Nassí, assim como todas as anteriores, foi oral, e somente a partir dos séculos V ou VI foram feitas redações oficiais por escrito, embora não seja impossível a existência de redações escritas para uso privado. Estas redações oficiais contêm alguns textos posteriores a Rabi, uma vez que vão postos em boca de doutores que viveram depois dele.
A Mishná está dividida em 6 ordens (sedarim, em singular seder), que são as seguintes:
I. | ZERAIM | "Sementes": | Acerca da agricultura, exceto o tratado Berachot, dedicado às "bênçãos". |
II. | MOED | "Festa": | Sobre o sábado e as festividades. |
III. | NASHIM | "Mulheres": | Direito matrimonial. |
IV. | NEZIQUIN | "Danos": | Direito civil e penal. |
V. | CODASHIM | "Coisas Sagradas": | Sacrifícios e serviço do Templo. |
VI. | TAHAROT | "Purezas": | Leis de pureza e impureza. |
Cada ordem está dividida em tratados (masichtot, em singular masechet), intitulados segundo o seu conteúdo e dispostos por ordem decrescente de extensão(*). No princípio os tratados eram 60; mas um deles, chamado Neziquin, foi dividido nos três Baba atuais, e o tratado Macot, que estava unido ao Sanedrin, foi separado, com o que chegamos aos 63 tratados de que se compõe atualmente a Mishná.
(*) A razão direta da ordem seguida na distribuição dos tratados dentro de cada seder, assim como o porquê dos títulos, foram estudados por J. Derenbourg: Les sections et les traités de la Mishnaah. Revue des Etudes Juives, III (1881), 205-210. Disposição semelhante adota o Corão.
Os tratados estão divididos em capítulos (peraquim, em singular perec) designados pelas palavras iniciais e estes, por sua vez, em mishnaiot (plural de mishná), palavra que indica tanto o conjunto como cada lei em particular.Com referência ao conteúdo, devemos dizer que só discute e analisa o referente a legislação e ritos, já que só em escassas ocasiões contém matéria não-jurídica, com exceção de dois tratados completos - o Pirquei Avot(*) e o Eduiot.(*) Existe uma edição bilíngüe, tradução de Moses Bensabat Amzalak, edições Biblos Ltda., Rio de Janeiro, 1962.A forma é expositiva, nada mais, e o estilo conciso, porém claro, sem digressões. A mishná, não só nos dá a conhecer a opinião da maioria, como também na minoria e opiniões contraditórias, com o que abre campo a investigação ulterior e é o ponto de partida do desenvolvimento posterior: O Talmud. As opiniões são citadas anonimamente.o idioma utilizado é o neo-hebraico, evolução do hebraico dos últimos tempos bíblicos, algo diferente em gramática e vocabulário e no qual estão introduzidos vocábulos aramaicos, latinos e gregos, idioma do qual deriva o hebreu moderno.A Mishná canônica nos chegou ao mesmo tempo nos dois Talmuds; porém estas duas redações coincidem quase por completo, com ligeiríssimas variações, as principais procedentes da incorporação de emendas textuais. A Mishná é citada pelo nome do tratado, o número (em algarismos romanos) do capítulo e o número (em algarismos árabes) de cada mishná, ou seja, como um exemplo: Berachot VI, 2. Quando se conhece uma passagem mas se ignora a que tratado pertence, pode-se recorrer a algumas concordâncias(*).(*)De R. HAIM JOSUÉ KASSOWSKI: Konkordanz der gesamten Mishnaic. Jerusalém-Frankfurt, 1927. Concordâncias semelhantes existem para identificar passagens bíblicas.A edição principal foi impressa em Nápoles, em 1492, com o comentário de Maimônides traduzido para o hebraico (o original está em árabe).A redação de Rabi impôs-se definitivamente, e até que ponto se impôs pode-se apreciar por uma série de leis que não receberam abrigo em seu código. Estas leis porém não desapareceram; conservaram-se até nós com os nomes muito significativos de Tosefta e baraitot: a Tsofeta (em aramaico, "a adição") recolhe material preferivelmente agádico, seguindo a mesma ordem e igual disposição que a Mishná, e é uma obra compilada por R. Hía e R. Ushaia, contemporâneos de Rabi; porém a redação definitiva é posterior. As baraitot, ou seja, "externas" (que em conjunto se denominam Baraita, em singular) têm um conteúdo jurídico-religioso. Fonte:
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